Conheça Presley, ararinha-azul que ajudou a inspirar diretor de 'Rio'
Hoje, Presley é um dos 73 exemplares de ararinha que existem no mundo.
Ameaçada pelo tráfico, espécie foi considerada extinta na natureza em 2000. Pesquisadores quase não acreditaram, em 2001, quando uma família de nome nunca revelado e com casa em Colorado, nos Estados Unidos, recorreu a veterinários para tratar do macho de ararinha-azul que mantinha domesticado em uma gaiola, apático e debilitado após perder sua companheira. A espécie do animal,Cyanopsitta spixii, havia sido considerada extinta em 2000 e vasculhavam-se remanescentes para aumentar a chance de sobrevivência em cativeiro. Em 2002, o retorno da ave para o Brasil - depois de 25 anos de vida no exterior - virou notícia no mundo atizado pelos donos norte-americanos com o mesmo nome do famoso cantor de rock, Presley, a ararinha-azul, virou astro da noite para o dia e hoje vive em cativeiro em um centro de conservação no interior de São Paulo. É um dos únicos que já viveu na natureza e ainda está vivo, apesar da idade avançada e dos problemas de saúde.
Em 2002, sua história chegou às páginas dos jornais e aos ouvidos do cineasta brasileiro Carlos Saldanha, que resolveu pesquisar a espécie a fundo para embasar a animação Rio, com estreia marcada para esta sexta-feira (8).
"Achei interessante a história do Presley e pesquisei mais a ararinha-azul, é a mais rara e está extinta. Também pensei em usar a história da arara-azul-de-lear [Anodorhynchus leari], mas a espécie tem um programa de conservação hoje bem sucedido", diz Saldanha, que agora conversa com a Fox Filmes para tentar criar ações em prol da conservação ambiental. "Não só da ararinha, mas de outros animais que fazem parte da fauna brasileira", diz ele.
A animação dirigida por Saldanha tem final feliz para a espécie. No filme, o personagem principal, Blu (dublado pelo ator Jesse Eisenberg), mora nos Estados Unidos e começa uma aventura quando se descobre que ele é o último macho da espécie. A única fêmea existente, Jade (interpretada pela atriz Anne Hathaway), vive em liberdade na Mata Atlântica do Rio de Janeiro. Na vida real, a ararinha-azul só existia em uma área reduzida na Caatinga da Bahia, próxima ao município de Curaçá, no vale do Rio São Francisco. A caça ilegal e a derrubada de vegetação importante para a espécie ajudaram a aumentar a pressão de traficantes de animais sobre a ave, que foi capturada sistematicamente até sumir da natureza.
"O tráfico foi o principal responsável pela extinção da espécie. E o maior traficante mora hoje em Petrolina (PE)", diz Yara de Melo Barros, coordenadora do programa de reprodução da ararinha desde 1990 e diretora do Parque das Aves, em Foz do Iguaçu (PR). "A legislação ambiental é muito frágil. Quem é pego hoje com bicho ilegal é solto no mesmo dia".
O programa para conservação da espécie existe desde 1989, quando achava-se que ela estava extinta. O ornitólogo do Ibama Carlos Yamashita participou de diversas expedições em busca dos últimos indivíduos na natureza. "A espécie é visada há centenas de anos. Em 1900, às vezes apareciam ararinhas na Europa. Durante o século 20, a caça era praticamente monopólio de uma só família do Piauí, que depois começou a trabalhar com esse intermediário de Petrolina. Eles capturavam um ou dois indivíduos por ano, mas no começo dos anos de 1980 houve um racha familiar e um deles resolveu acabar com a festa, pegou 15 ararinhas de uma só vez", diz.
Yamashita chegou a ver três ararinhas na natureza em 1985. Elas sumiram e, em 1990, um último macho foi encontrado. Yara foi a campo e conversou com centenas de moradores em Curaçá, ajudando a criar um sentimento de identificação com a espécie, que passou a ser protegida pela comunidade. A cerca de 200 quilômetros dali, nos arredores de Canudos e Jeremoabo (BA), outro projeto liderado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) tenta salvar a arara-azul-de-lear (Anodorhincus leari), também ameaçada, que tinha população estimada de 1.125 indivíduos na natureza em 2010.
Monitorado, o último macho de ararinha-azul vivia com uma ave de outra espécie e esperava-se que eles pudessem ter filhotes híbridos, mas os ovos nunca fertilizaram. A única ararinha conhecida na natureza sumiu em outubro de 2000 e a espécie entrou em extinção oficialmente.
O esforço para manter a ararinha viva em cativeiro conta com a ajuda de instituições no mundo inteiro. Hoje, existem apenas 73 indivíduos da espécie e, por serem raros e vulneráveis, nenhum pode ser visto pelo público comum. A rigor, as aves são tratadas como uma única população e pertencem ao governo brasileiro, mas têm sua gerência distribuída por centros de conservação.
As ararinhas estão na Fundação Loro Parque, nas Ilhas Canárias, da Espanha, na Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados (ACTP), na Alemanha, e na Fundação Lymington e no Zoológico de São Paulo, no Brasil.
Criada pelo sheik Saoud Bin Ali Al-Thani, no Qatar, a Al Wabra Wildlife Conservation também é parceira do programa e possui 54 ararinhas, maior número de indivíduos hoje em um só lugar.
O objetivo dos envolvidos é reintroduzir a espécie em seu habitat original. Mas o sucesso da empreitada depende de um plano de trabalho complexo, que envolve a análise genética dos indivíduos para decidir os melhores pares para reprodução. Yara estima que quando houver 150 indivíduos em cativeiro - talvez entre 2016 e 2020 - pode ser possível iniciar as primeiras reintroduções. Segundo ela, deve ser publicado ainda neste ano um plano que detalha os próximos passos do programa, recomenda a retomada do trabalho de conscientização em campo e sugere a criação de áreas protegidas em Curaça. "O sheik tem uma propriedade de 2.000 hectares lá e existe outra de 1.000, que podem ser usadas como santuários", diz ela.
Outro desafio será a readaptação da espécie na natureza. De todas as ararinhas existentes hoje, 70 nasceram e cresceram dentro de viveiros e apenas 3 chegaram a viver na natureza. Uma está no Qatar, outro nas Ilhas Canárias e Presley, que vive em uma área preservada de Mata Atlântica no interior de São Paulo, como único exemplar da Fundação Lymington. Sua gaiola fica a poucos passos do quarto de Linda e William Wittkoff, casados há 50 anos e responsáveis pela saúde de Presley, que está "aposentado" e fora do programa de reprodução por conta da idade.
Não se sabe ao certo quanto anos ele tem, mas estima-se que seja mais de 30, idade considerada avançada para a espécie. "Ele não está muito bonito agora e tem alguns problemas de saúde, é como se fosse uma pessoa de 90 anos", diz William. Apesar da idade, sua fama só aumenta. "Ele é provavelmente uma das poucas aves conhecidas mundialmente pelo nome. As outras são número 45 ou número 58, mas Presley sempre foi Presley", conta Linda.
No mundo, só existem três ararinhas-azuis vivas que chegaram a viver na natureza: Presley, uma que está no Qatar e Lampião (a direita), hoje parceiro de uma ararinha chamada Maria Bonita, nascida em cativeiro na Loro Parque Fundación, nas Ilhas Canárias. (Foto: Loro Parque Fundación/ Save Brasil/ Divulgação)
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