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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Comportamento de arara-azul-de-lear em cativeiro e a influência da técnica flocking na interação de pares (Parte 2)

 

 Olá, Araras Azuis!! Aqui está a continuação da primeira parte daquele post sobre aquela pesquisa feita por Gabriela Rodrigues Favoretto, que apresentou uma dissertação ao Programa de Pós-Graduação em Conservação da Fauna (UFSCar/FPZSP) como parte das exigências para obtenção do título de Mestre Profissional em Conservação da Fauna, sob orientação do Prof. Dr. Augusto João Piratelli, na Universidade Federal de São Carlos e Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Essa pesquisa aborda o comportamento da arara-azul-de-lear em cativeiro e a influência da técnica de "flocking" na interação de pares. Bem, essa é a segunda e última parte da pesquisa, e pretendo em breve postar mais pesquisas acadêmicas que eu ando lendo e as revisões de literaturas que eu fiz. Então, vamos para a postagem.

Capítulo 2 A EFETIVIDADE DO FLOCKING NA INTERAÇÃO DE PARES DE ARARA-AZULDE-LEAR (Anodorhynchus leari) EM CATIVEIRO 

1. INTRODUÇÃO

O comportamento social é um processo dinâmico ligado ao desenvolvimento de relações entre indivíduos e entre esses e o ambiente. A formação de relações sociais é fundamental para muitas espécies, pois está relacionada à variação de níveis de bem estar, determinando o sucesso reprodutivo dos indivíduos envolvidos (LUCAS et al., 2003). Muitas espécies de aves são monogâmicas (DUNN; WHITTINGHAM; PITCHER, 2001) e uma das primeiras etapas comportamentais do processo reprodutivo dessas espécies é a escolha do parceiro sexual (SVEC; LICHT; WADE, 2009), sendo a formação de um casal e a vida em bando as formas de organização social nesse tipo de sistema reprodutivo (KUBITZA; BUGNYAR; SCHWAB, 2015). A seleção é feita visando o aumento do valor adaptativo dos indivíduos envolvidos com base em características comportamentais, fisiológicas e morfológicas (BOTTONI et al., 1993). Em relação às aves monogâmicas, as mudanças envolvidas no pareamento são sutis e ocorrem gradualmente em um processo muitas vezes prolongado, sendo, portanto, difícil de ser avaliado (CLAYTON, 1990). Um par pode ser definido como um casal por diversos critérios, sendo um deles o tempo despendido em comportamentos sociais afiliativos que não são desempenhados com outros membros adultos (ADKINS-REGAN, 2011). A formação desses casais pode ser avaliada pela realização de comportamentos sincronizados como alimentar-se conjuntamente, empoleirar-se próximo ou em contato com outro indivíduo, alisar as penas de outra ave, defender conjuntamente o ninho, tempo gasto dentro do ninho, perseguir uma ave ou defender parceiro pela aproximação de outros indivíduos, cortejar e solicitar cópula (CLAYTON, 1990; BOTTONI et al., 1993; ADKINS-REGAN, 2011). Em psitacídeos especificamente, o longo período de incubação associado a filhotes muito dependentes e com lento crescimento em relação a outras aves, colaboram com o desenvolvimento de um alto grau de interação entre o casal, já que requer muita cooperação mútua para que se atinja o sucesso reprodutivo de fato (KOENIG, 2001). Apesar dos programas de cativeiro terem por objetivo a criação de aves que futuramente possam ser capazes de sobreviver na natureza, pareando, reproduzindo e criando filhotes naturalmente, comumente na reprodução ex-situ os indivíduos são forçados ao pareamento, onde o macho e a fêmea selecionados são mantidos juntos em um recinto exclusivo, sendo observadas baixas taxas reprodutivas para certas espécies, em especial as ameaçadas (GAUDIOSO et al., 2002). Análises genéticas e demográficas de populações cativas fornecem informações que subsidiam estratégias reprodutivas em longo prazo, porém os objetivos imediatos dos programas de reprodução envolvem a manutenção e o sucesso reprodutivo de indivíduos pertencentes a populações cativas específicas. Neste sentido, se faz necessário a realização de estudos comportamentais em cativeiro que garantam a menor interferência humana no comportamento desenvolvido pelos animais com a produção de informações que possam ser relevantes para a melhoria de estratégias reprodutivas através da observação de comportamentos conspícuos que não são facilmente ou frequentemente observados na rotina de manejo (SIEBERT; CROWELL-DAVIS, 2001; FRANCISCO, 2012). Em relação aos pareamentos em cativeiro, as recomendações propostas geralmente envolvem apenas fatores genéticos, mas na prática um pareamento efetivo pode ser influenciado por fatores nutricionais, sociais, comportamentais, físicos e ambientais (MELLEN, 1994). A possibilidade de escolha do parceiro sexual em cativeiro aumenta a taxa de sucesso reprodutivo dos indivíduos envolvidos (IHLE; KEMPENAERS; FORSTMEIER, 2015). Sabe-se que esta liberdade de escolha é um fator que afeta diretamente parâmetros reprodutivos, como produção hormonal e taxa de defesa de ninho em espécies monogâmicas (BOTTONI, 1993). Klint, Enquist (1981) e Bottoni et al. (1993) afirmam que machos pareados por livre escolha possuem maior concentração de testosterona no plasma do que aqueles que foram forçados a parear e apresentam maiores taxas de defesa do ninho, já fêmeas que escolheram livremente seus parceiros tendem a realizar a primeira postura anos antes em relação as fêmeas que foram forçadas a parear, além de apresentarem maiores taxas de ovos fertilizado, de dispensarem mais tempo no ninho e de possuem maior taxa de postura do que fêmeas forçadas a um pareamento. A falta de sucesso reprodutivo sem causa aparente muitas vezes é consequência da incompatibilidade comportamental entre pares (BALTZ, 1998; FOX; MILLIAN, 2014), onde o pareamento forçado causa repressão na atividade reprodutiva dos indivíduos envolvidos (LUPO et al, 1990; BOTTONI et al, 1993, STONE et al, 1999) e ocasiona modificações das características fisiológicas e comportamentais relativas à reprodução, sendo extremamente importante o desenvolvimento de estratégias que sejam capazes de estimular respostas etológicas adequadas para indivíduos que possam futuramente integrar programas de reintrodução ou revigoramento (GAUDIOSO et al., 2002). A espécie Anodorhynchus leari encontra-se em perigo de extinção (BIRDLIFE INTERNATIONAL, 2013), com notória escassez de conhecimento sobre questões comportamentais e baixa taxa de casais reprodutivos em cativeiro (CORNEJO, 2015). A utilização do flocking como nova estratégia reprodutiva proposta pela FPZSP e aprovada pelo Programa de Cativeiro da arara-azul-de-lear/ICMBio permite a formação de novos casais baseada em análises comportamentais relacionadas às interações entre os indivíduos que possuem a possibilidade de livre escolha de parceiro sexual. Assim, o presente trabalho teve como objetivo acompanhar o primeiro flocking oficial realizado na história do programa de cativeiro da espécie, visando fornecer subsídios para o aprimoramento de estratégias de manejo ex-situ que possibilitem o aumento do sucesso reprodutivo de indivíduos mantidos em cativeiro.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo O trabalho foi realizado na sede da FPZSP, localizada na região sudoeste do município de São Paulo, e no Centro de Conservação da Fauna Silvestre do Estado de São Paulo (CECFau), localizado no município de Araçoiaba da Serra. A Fundação é membro do Programa de Cativeiro da arara-azul-de-lear e é durante o desenvolvimento do estudo era responsável pela manutenção de 17 espécimes, sendo eles 12 adultos, um juvenil e quatro filhotes. As aves são mantidas pela Fundação em áreas de acesso restrito descritas anteriormente (pg. 15-19). Coleta de dados Das doze aves adultas mantidas pela FPZSP, foram selecionadas seis fêmeas (STB 39, 57, 58, 59, 60 e 61), descritas previamente (pg. 19-21), para quantificação dos comportamentos afiliatiavos e reprodutivos (sócio-repodutivos) antes e durante a técnica flocking. A seleção das aves ocorreu através da avaliação do potencial reprodutivo desses espécimes, além de ter sido reforçada por questões judiciais que asseguravam a manutenção da maior parte dessas fêmeas pela Fundação, garantindo que estas não fossem transferidas para outras instituições ao longo do desenvolvimento da pesquisa. Após o detalhamento do repertório comportamental da espécie (Capítulo 1), foram selecionados 10 comportamentos relevantes ao estudo visando a sua quantificação, sendo eles comportamento sócio-afiliativos (alimentação conjunta, allopreening, chamar atenção, contato de bico, mutual allopreening) e reprodutivos (cortejo alimentar, pedido de cópula, copular, próximo ao ninho e dentro do ninho). A coleta dos dados ocorreu em duas fases com  aplicação da mesma metodologia para fins comparativos: uma fase prévia e uma durante o flocking. A planilha utilizada para a quantificação dos comportamentos pode ser consultada no Anexos II. A primeira etapa ocorreu na sede da FPZSP entre os dias 07/10/2014 e 04/02/2015. Os comportamentos das seis fêmeas selecionadas foram quantificados pela metodologia animal focal (ALTMANN, 1974) com registro instantâneo em intervalos de 30 segundos e duração de meia hora com três sessões diárias (às 8h, 13h e 16h) para cada indivíduo, totalizando 130 horas de observação. Também foi registrada a distância entre as aves (junto – até 30 cm; próximo – de 30 a 100 cm; longe – acima de 100 cm). Em agosto de 2015 foram transferidas oito aves mantidas pela FPZSP (STB 35 e 60, 38 e 39, 23 e 43, 61 e 58) para o CECFau e também três aves provenientes de outras instituições (STB 24, 37 e 175), totalizando 11 indivíduos disponíveis para o flocking (seis fêmeas e cinco machos). Foram mantidas separadas em pares (quando previamente pareadas) para adaptação aos novos recintos até a realização do flocking, que ocorreu no dia 29/09/2015. Em decorrência do sucesso reprodutivo alcançado pelo casal STB 47 e 59 antes das transferências, estes permaneceram na sede da Fundação. A fêmea STB 57 foi transferida posteriormente para Araçoiaba para participação de um possível segundo flocking, porém, por questões burocráticas e sanitárias o mesmo não ocorreu. Portanto, das fêmeas selecionadas para o estudo, quatro (STB 39, 58, 60, 61) foram transferidas e participaram do flocking, entretanto, uma precisou ser retirada logo no início do processo (STB 58), restando apenas três fêmeas para o desenvolvimento da segunda etapa. A segunda fase do estudo teve início no dia 17/11/2015 e se estendeu até 04/02/2016 com a aplicação da mesma metodologia desenvolvida na primeira fase, totalizando 94 horas. Todo o estudo comportamental foi realizado por um único observador. Durante o flocking, a movimentação de diversas araras simultaneamente dificultava a identificação individual, senso assim, marcações foram feitas nos espécimes (anilha de aço com fita colorida para identificação de instrumentais cirúrgicos (autoclavada), corte das retrizes, coloração do bico e das unhas, marcações de Kuraderm® nas asas ou cauda, além de marcas naturais quando presentes) com a finalidade de facilitar o reconhecimento individual (Anexo III). Em termos de durabilidade e visibilidade, as melhores marcações para este tipo de metodologia foram o corte das retrizes, as marcações naturais e a marcação com esmalte na parte central superior da maxila. As outras marcações mostraram-se pouco úteis e sem durabilidade. As marcas de Kuraderm® desaparecem com cerca de quatro dias, as anilhas tiveram suas fitas coloridas arrancadas e o esmalte nas unhas é pouco visível e tem baixa durabilidade. Análise de dados Para verificar a possibilidade de variação não aleatória nas frequências da aproximação entre as aves nas etapas pré-flocking e flocking foi utilizado o teste quiquadrado. Regressão de Poisson (modelo log-linear) foi aplicada para avaliação dos efeitos das variáveis independentes (flocking, indivíduo e período do dia) sobre a frequência dos comportamentos amostrados. Para análise específica da variação dos comportamentos reprodutivos (copular e pedir cópula) foi utilizado o teste Wilcoxon pareado. Os dados coletados durante a etapa pré-flocking para as aves que não participaram do flocking não foram utilizados nas análises. Todas as análises foram realizadas no software MYSTAT (SYSTAT Software, 2007) com intervalo de confiança a 95%. Para as análises estatísticas foram levados em consideração apenas os comportamentos com n > 10 em cada etapa. Vide Anexos IV e V para acesso aos dados. 

3. RESULTADOS 

A coleta dos dados resultou em um esforço amostral de 226 horas totais de observações. Em relação ao período pré-flocking, em 58% do tempo de amostragem não houve registro de comportamentos interativos, 36% do tempo foi dispendido no interior do ninho, 2% próximo a ele e em apenas 4% do tempo observou-se interações entre os pares (Figura 1a). Durante o flocking, o uso do paredão e área dos ninhos era feito apenas por um casal dominante, fazendo com que as outras aves deixassem de ocupar o interior e proximidades do ninho, o que ocasionou um acréscimo de 25% do tempo na permanência fora do ninho sem interação para as outras aves, porém observou-se um acréscimo de 2% no tempo investido em interações entre os pares (Figura 1b).


a) Flocking e frequência dos comportamentos sócio-reprodutivos As frequências dos comportamentos sócio-reprodutivos variaram de forma significativa em relação às etapas pré-flocking e flocking (χ 2 = 21553; g.l. = 9; p = 0,000; Loglinear), indicando a influência da técnica na alteração desses comportamentos. Esta diferença se deve ao aumento da frequência de comportamentos afiliativos como “alimentação conjunta”, “contato de bico”, “cortejo alimentar” e “mutual allopreening” observados durante o flocking (Figura 2), porém observou-se variação individual na resposta ao flocking (χ 2 = 21,35; g.l. = 2; p = 0,000; Log-linear), conforme a assimetria observada na dispersão dos dados (Figura 3).




Porém, em relação aos comportamentos reprodutivos “copular” e “pedir cópula” especificamente, não houve evidência de que a frequência tenha sido alterada pelo flocking (p = 0,42 e p = 0, 78, respectivamente; Wilcoxon), apesar do aumento significativo dos comportamentos afiliativos. Observou-se uma inversão de proporção de cópulas totais em relação aos meses, com um decréscimo das cópulas de novembro a fevereiro no período préflocking e o oposto para o período do flocking (Figura 4).


Analisando individualmente a variação dos comportamentos, foi observada a redução da frequência de cópulas e pedidos de cópula pela fêmea STB 39, porém com aumento dos comportamentos sociais (Figura 5a). Foi observado acréscimo no número de cópulas e de comportamentos sociais para a fêmea 60 (Figura 5b) e redução comportamentos sócioreprodutivos como “alimentação conjunta”, “pedido de cópula” e “cópula” para a fêmea 61, entretanto, comportamentos como “contato de bico”, “allopreening” e “cortejo alimentar” passaram a ser mais frequentes (Figura 5c).
 


b) Flocking e grau de aproximação entre pares O flocking exerceu influência significativa no tipo de aproximação entre os pares (χ 2 = 1295; g.l.: 2, p = 0,000; Qui-quadrado), sendo que as fêmeas apresentaram respostas divergentes (Figura 6). Apesar do aumento da frequência dos comportamentos sócioreprodutivos observados anteriormente, houve uma redução de 12% na permanência da fêmea STB 39 junto ao seu parceiro em relação ao observado para o período pré-flocking (Figura 6a), pois durante o flocking o macho passou mais tempo na região do ninho do que dentro dele junto a ela (Figura 7a) (como foi observado no período pré-flocking), o que ocasionou uma queda na aproximação da categoria de maior aproximação (junto). Entretanto, observa-se que a frequência do tempo permanecido junto ao macho em momentos que não envolviam interação (maior parte do tempo amostrado) teve um aumento de aproximadamente 30% em relação ao período pré-flocking (Figura 7b). O mesmo valor da redução da aproximação junto ao macho foi observado no aumento da permanência próximo a ele. Não houve diferença quanto à frequência do tempo permanecido longe do parceiro. Para a fêmea STB 60 foi observado um acréscimo de 30% do tempo junto ao macho durante o flocking em relação ao período pré-flocking, com decréscimo tanto na categoria “próximo”, quanto na categoria “longe” (Figura 6b). Para a fêmea STB 61 foi observado uma redução de 33% da proximidade junto ao parceiro com o dobro de tempo longe em relação ao período pre-flocking, já que esta fêmea teve sua parceira retirada do flocking antes do período de coleta de dados, se aproximando lentamente de um macho proveniente de outra instituição (Figura 6c).
DISCUSSÃO
A assimetria na frequência dos comportamentos é esperada, já que mesmo estando submetidas às mesmas condições de manejo, as fêmeas recebem e oferecem estímulos distintos em relação a cada parceiro, dependendo do tipo de afiliação existente previamente. A determinação de um par como um casal envolve uma variedade de critérios, existindo, portanto, diversas definições. Trillmich (1976) considera um casal um par de aves que copula ou tenta copular, com o macho dando assistência à fêmea no ninho. Cox, Goldsmith e Engelhardt (1993) considera um casal quando a cópula resulta na postura de pelo menos um ovo. Yamamoto (1989) considera que o que define um casal é a ocupação conjunta de um ninho. Com base nesses critérios, das três fêmeas analisadas para o projeto, tanto a fêmea STB 39 com o macho STB 38, quanto a fêmea STB 61 com a fêmea SBT 57 constituíram casais, não sendo o mesmo observado para a fêmea STB 60 pareada com o macho STB 35,pois apesar dos poucos eventos de cópula observados, a fêmea não explorava o ninho e o macho não fornecia assistência a ela. Todas essas configurações já eram observadas durante o período pré-flocking. Um casal tende a ser composto por um macho e uma fêmea, mas a formação de casais do mesmo sexo é relatada tanto em cativeiro quanto em vida livre (SEIBERT; CROWELL-DAVIS, 2001), e para um manejo efetivo em cativeiro, pares formados pelo mesmo sexo também devem ser considerados casais na tomada de decisões para subsidiar as estratégias de reprodução. Aves pareadas que passam longo período da vida juntas tendem a manter o vínculo mesmo na ausência de contato físico com o parceiro. Estudos demonstram que aves que foram separadas e mantiveram contato sonoro permaneceram durante seis meses preferindo o parceiro anterior a possíveis novos parceiros do mesmo grupo (STONE, 1999), o que foi também observado para o flocking. Após a retirada da fêmea STB 58, a fêmea STB 61 continuou manifestando interesse pela parceira até que esta fosse transferida novamente para a sede da FPZSP. Poucos dias depois, a fêmea STB 61 passou a desenvolver comportamentos afiliativos com o macho 175. A alta porcentagem de tempo registrada sem interações sociais ou reprodutivas está diretamente relacionada com a biologia da espécie. Em vida livre, essas aves passam 81% do tempo envolvidas em atividades de forrageamento ou descanso e apenas 5% em atividades sociais (BRANDT; MACHADO, 1990). Todas as aves previamente pareadas na sede da Fundação mantiveram seu pareamento durante o flocking, mesmo os pares que não foram considerados um casal. Isso pode ser explicado por questões de vantagens do pareamento. O flocking se mostrou uma técnica efetiva no estímulo de comportamentos afiliativos. O aumento da frequência desses comportamentos pode ser um reflexo da competição estimulada pelo flocking. A arara-azulde-lear é uma espécie altamente gregária, o que confere ao bando diversas vantagens, porém, em cativeiro a formação de bandos não é viável por limitação espacial, sendo uma das formas mais simples de gregarismo a formação de pares (SEIBERT; CROWELL-DAVIS, 2001). Quando indivíduos da mesma espécie compartilham um espaço limitado, há um aumento na competição direta por recursos, sendo que a formação e manutenção de pares representam uma vantagem no sentido adaptativo (WEST-EBERHARD, 1979). Pares dão assistência um ao outro em encontros agonísticos, assim como também inibem outras aves de atacarem seus parceiros, além de se apoiarem na competição por alimento e território (SCOTT, 1980). 84 A proximidade entre um par varia de acordo com a densidade do grupo, sendo observada maior aproximação quanto maior a densidade, permitindo assistência imediata em situações de ameaça (SCOTT, 1980), conforme o aumento da aproximação observado para a fêmea STB 60. Porém, o oposto foi registrado para as fêmeas STB 39 e STB 61. A queda da frequência de permanência do macho junto à fêmea STB 39 é justificada pela sua menor frequência na permanência dentro do ninho com a fêmea e maior frequência próximo e longe dela, porém sempre na região do ninho (paredão ou poleiro mais próximo). A possível ameaça oferecida pela presença de indivíduos que antes do flocking não tinham acesso à área ocupada pelo casal pode justificar este fato, já que previamente cada par ocupava um recinto exclusivo. A constante presença humana durante o flocking também pode ser um fator que influenciou na queda da frequência observada, pois quatro diferentes tratadores revessavam semanalmente na permanência diária no recinto para impedir possíveis brigas, sendo constante também a visita de técnicos e funcionários de manutenção. Neste sentido de defesa territorial, os machos tendem a ser mais agressivos que as fêmeas (SEIBERT; CROWELL-DAVIS, 2001), cabendo a eles a defesa e proteção do ninho, enquanto à fêmea cabe a responsabilidade da postura dos ovos e o maior investimento na manutenção dos filhotes (KOKKO; JENNIONS, 2012), justificando a maior permanência do macho na área externa do ninho. Porém, a permanência do macho no ninho no período de corte estimula comportamentos reprodutivos da fêmea (YAMAMOTO, 1989), sendo indicado, portanto, a redução de fatores que possam estimular o macho a permanecer fora do ninho como necessidade de defesa territorial. A inspeção do ninho para futura postura é iniciada pelo macho, sendo mais frequente em machos cuja fêmea realizou postura previamente (YAMAMOTO, 1989). Isto pode justificar o uso dos ninhos exclusivamente pelo casal STB 39 e STB 38, cuja fêmea já havia realizado posturas diversas vezes, porém as primeiras aves a explorarem os ninhos nos paredões foram o casal de fêmeas STB 61 e STB 58, sendo que esta última também já havia realizado posturas previamente. Depois da retirada da fêmea STB 58 do flocking, a ave STB 61 deixou de frequentar os ninhos, sendo então utilizados exclusivamente pelo casal STB 39 e STB 38, chegando à postura de oito ovos não férteis. A constante inspeção pelos técnicos e tratadores no ninho escolhido por esse casal resultou no início da exploração de outros ninhos, o que pode ter ocasionado a morte do macho STB 35, já que este macho costumava permanecer na área onde o casal passou a demonstrar interesse, sendo este macho atacado pelo casal, vindo a óbito em decorrência da gravidade das lesões e sua condição física já precária. 85 A variação da frequência dos comportamentos ao longo do dia também foi observada em vida livre. Assim como no presente estudo, Amaral et al. (2005) observou maior frequência de comportamentos relacionados a manutenção no período da manhã. Brandt e Machado (1990) observaram que o período da tarde é mais propício ao desenvolvimento de comportamentos sociais e afiliativos, em especial ao entardecer, quando os indivíduos se reúnem para retornar para os dormitórios.
 Considerações sobre os pares
 
As aves STB 47 e 59 foram mantidas pareadas pela Fundação durante mais de 10 anos e apenas em 2015 alcançaram sucesso reprodutivo com o nascimento do primeiro filhote, estando os pais com aproximadamente 10 e 14 anos de idade, respectivamente, não sendo então transferidos para participação no flocking. Este casal teve o sucesso reprodutivo alcançado sem que nenhuma alteração estrutural ou de manejo fosse feita, sendo que as aves demonstravam sinais claros de pareamento (constante aproximação, comportamentos afiliativos, permanência no interior do ninho e cópulas perfeitamente executadas), além de não apresentarem comportamentos agressivos em relação ao parceiro. Hoje, são pais de oito filhotes, sendo os outros sete nascidos no primeiro semestre deste ano. O casal STB 35 e 60 convivia bem na sede da FPZSP, desenvolvendo alguns comportamentos afiliativos, em especial de manutenção (allopreening e mutual allopreening). Permaneceram juntos por indicação do studbook em decorrência da boa variabilidade genética, porém não frequentavam o ninho e raramente tentavam copular. Alguns pares podem apresentar sociabilidade sem que sejam sexualmente compatíveis (BALTZ, 1998). Apesar de a fêmea possuir excelentes condições para reprodução (ovários desenvolvidos), o macho possuía testículos pouco desenvolvidos, condições físicas comprometidas (um olho cego e problemas pulmonares) e enfrentou algumas dificuldades durante o processo de estabilidade de dominância que ocorre naturalmente durante o flocking em decorrência disso. O casal STB 38 e 39, apesar das cópulas constantes, da ocupação do ninho e da postura de ovos (inférteis), apresentava idade avançada para reprodução (ambos com 19 anos) e alto índice de comportamentos agonísticos, como bicadas e afastamentos, podendo ser considerado um casal mais agressivo. A falta de sucesso reprodutivo pode estar relacionada a uma idade avançada, além do fato do macho não apresentar um desenvolvimento satisfatório do comportamento de cópula, tendo visível dificuldade em articular a cauda para cima,impedindo o acesso à cloaca da fêmea. Nenhuma lesão foi constatada até hoje, podendo ser a dificuldade uma disfunção puramente comportamental. As fêmeas STB 58 e 61 possuem boas condições reprodutivas segundo seus exames clínicos (ambas com 15 anos e ovários desenvolvidos). Após separação, a fêmea STB 61 demonstrou afinidade pelo macho STB 17. As constantes perturbações durante o início da aproximação entre o casal resultavam em afastamentos temporários com redução dos comportamentos afiliativos, porém sempre voltavam a se aproximar, indicando uma possibilidade viável de pareamento, desde que sejam mantidos sem contato com a antiga parceira da fêmea. As últimas informações recebidas, pós coleta de dados, relatam que esse casal se alimenta junto e permanece próximo boa parte do tempo (Angélica Sugieda, com. pess.). A fêmea STB 57 não participou do flocking por problemas sanitários e burocráticos que impediram a participação de indivíduos de outras instituições no período de realização deste estudo. Essa fêmea não demonstrou comportamentos reprodutivos enquanto na sede da Fundação, onde ocupava um recinto em conjunto com outra fêmea (não participante do projeto). Possui excelentes condições para reprodução segundo seus exames clínicos (13 anos e ovários bons), sendo imprescindível sua participação em um possível novo flocking. Desde o início do programa de cativeiro, a formação de pares reprodutivos tem sido baixa, com apenas oito casais produzindo descendentes de 1984 a 2015 (CORNEJO, 2015). Pares não reprodutivos são mantidos pareados por longos anos esperando que um dia reproduzam. Isto pode de fato ocorrer, como observado para o casal reprodutivo mantido pela FPZSP, porém não é o que se observa com frequência. Uma avaliação mais criteriosa das condições clínicas, da idade e da sociabilidade entre os pares associada a uma avaliação genética dos possíveis participantes da técnica podem contribuir com a formação de casais compatíveis e adequados geneticamente.

Conclusões:
A técnica flocking favoreceu a aproximação e os comportamentos afiliativos entre os pares, especialmente no período da tarde, no qual é indicado evitar perturbações em cativeiro. O flocking se mostrou também uma alternativa potencial na afiliação entre aves desconhecidas. O tipo de resultado alçado com a utilização desta técnica estará de acordo com o nível de relação social que as aves participantes tiveram previamente entre si. 87 Se o objetivo do manejo for a formação de novos casais (repareamento), é importante que aves previamente alocadas no mesmo recinto por muito tempo sejam separadas na participação do flocking, que deve ser realizado com indivíduos que não se conheceram previamente ou que não mantiveram contato prolongado, e neste caso, o acompanhamento científico poderá colaborar com a melhor compreensão dos critérios de seleção sexual da espécie. Porém, casais pareados previamente podem participar do processo caso o objetivo seja apenas estimular os comportamentos sócio-afiliativos das aves. É reconhecido o aumento da territorialidade e agressividade durante o período reprodutivo e em adição a isso, sabe-se que o estabelecimento dos casais ocorre antes do período reprodutivo na maioria das aves, sendo, portanto, indicado a realização desta técnica fora do período reprodutivo, com separação dos casais após constatação de compatibilidade para que possam ter livre acesso aos ninhos. O presente trabalho acompanhou o primeiro flocking oficial na história do programa de cativeiro de Anodorhynchus leari. Articular a comunicação e colaboração entre os membros é o papel fundamental dos Programas de Cativeiro estabelecidos pela Instrução normativa ICMBio n˚ 22, criando condições favoráveis para produção e compartilhamento de novos conhecimentos quanto às necessidades reprodutivas das espécies, visando assim, por uma alternativa viável em termos financeiros e estruturais, atingir os objetivos propostos. É indispensável o estabelecimento de um protocolo que padronize as observações comportamentais e que estabeleça critérios relativos ao melhor manejo e a escolha de indivíduos aptos a participarem desse tipo de projeto. As informações apresentadas neste estudo poderão servir de subsídios para o aprimoramento dos protocolos utilizados pelos centros de reprodução de instituições mantenedoras de psitacídeos ameaçados e este estudo traz algumas reflexões como um ponto de partida para que novas abordagens possam ser planejadas para as futuras realizações da técnica, que também devem ser acompanhadas cientificamente para que a produção e divulgação de informações sobre as relações sociais e preferências sexuais colaborem com melhor compreensão dos aspectos reprodutivos da espécie em cativeiro.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Estudo comportamental de um casal de arara - azul - grande, Anodorhynchus hyacinthinus (Latham, 1790) mantidas em cativeiro no Parque Zoobotânico Vale na Floresta Nacional de Carajás, ´ Pará, Brasil

 

Olá Araras Azuis! Hoje eu vim compartilhar com vocês um artigo acadêmico escrito por F. R. P. Pimenta, Acadêmica da Universidade do Estado do Pará - UEPA, sobre o comportamento de um casal de arara azul grande. Este artigo é essencial para quem quer saber mais sobre o comportamento dessas aves. Então, vamos para o artigo.

- Area de Estudo

´ O estudo foi desenvolvido no Parque Zoobotˆanico Vale em Caraj´as (PZV) localizado na Floresta Nacional de Caraj´as, munic´ıpio de Parauapebas, PA. Tendo sido criado em 1985, apresenta atualmente, uma ´area total de 30 ha, abrigando aproximadamente 240 animais de 60 esp´ecies da fauna brasileira. A Floresta Nacional de Caraj´as ocupa uma ´area de 3.958.226,70 ha, apresentando as seguintes coordenadas geogr´aficas (05º52”e 06º33”S, e 49º53”e 50º45”W) `a 25 km do munic´ıpio de Parauapebas, estado do Par´a, na Regi˜ao Norte do Brasil. Est´a inserida no complexo das ´areas protegidas da regi˜ao de Caraj´as, composto por unidades de conserva¸c˜ao integral ou com diversos usos como manejo sustentado de produtos de fauna e flora, atividades minerarias, uso tradicional agr´ario e prote¸c˜ao de popula¸c˜oes aut´octones. (IBAMA et al., 2004). O clima na regi˜ao ´e tropical ´umido, com inverno seco. A precipita¸c˜ao pluviom´etrica configura dois per´ıodos: esta¸c˜ao chuvosa, de novembro a abril, e esta¸c˜ao seca, de junho a outubro. A precipita¸c˜ao m´edia mensal na esta¸c˜ao chuvosa ´e 280 mm e da esta¸c˜ao seca ´e 32 mm. A temperatura m´edia anual em Caraj´as ´e de 23,80C. (IBAMA et al., 2004). 2.2 - Etograma No Parque Zoobotˆanico Vale em Caraj´as, o recinto das araras - azuis est´a posicionado entre outros cativeiros como ararajubas, tucanos e papagaios etc. As araras - azuis s˜ao mantidas em uma ´area com 16 m 2 , contendo um ninho, dois poleiros e um reservat´orio com ´agua e comida. O ninho constitui - se de um abrigo elaborado com troncos de madeira em que as araras utilizam para pernoitar. A pesquisa foi desenvolvida a partir da observa¸c˜ao de um casal de arara - azul - grande, no per´ıodo de abril a maio de 2009. A t´ecnica de amostragem utilizada para observa¸c˜ao foi animal focal (Focal Animal Sampling), que segundo Altnann(1974) ´e uma das mais empregadas em estudos de comportamentos para animais que permitem a boa aproxima¸c˜ao do observador.

No etograma foram identificadas e descritas 69 condutas comportamentais, baseadas em relatos descritos na literatura para psitac´ıdeos e tucan´ıdeos. As condutas foram agrupadas nas categorias ”deslocamento”, ”manuten¸c˜ao”, ”comportamento intra - espec´ıfico”e ”uso dos enriquecimentos ambientais”e foram descritas a partir da morfologia dos comportamentos observados. A an´alise comportamental foi realizada no per´ıodo diurno, conforme o hor´ario habitual de manejo dos tratadores no PZV a partir da primeira alimenta¸c˜ao do dia do casal, compreendendo o per´ıodo das 7:00 `as 17:00 horas. Nos intervalos pr´e - estabelecidos, os comportamentos foram classificados e quantificados, seguindo uma planilha padronizada de categorias comportamentais de Anodorhynchus hyacinthinus em cativeiro. Para todas as categorias experimentais realizou - se um fluxograma e para a an´alise dos dados utilizou - se a m´edia da freq¨uˆencia de ocorrˆencia dos comportamentos. O estudo foi dividido em duas etapas: a primeira abordou o levantamento dos comportamentos de acordo com a categoria e a segunda analisou a conduta a partir da adi¸c˜ao de enriquecimento ambiental (telha, sementes de castanha - do - par´a enroladas no jornal, palha de a¸ca´ı e palha verde). Inicialmente foi realizada uma fase de adapta¸c˜ao com os indiv´ıduos para observa¸c˜oes preliminares. Na primeira etapa foram realizadas 17 janelas de observa¸c˜ao di´arias com dura¸c˜ao de 10 minutos para cada indiv´ıduo, durante 15 dias consecutivos, totalizando 42 horas e 50 minutos/individuo. Na segunda etapa foram realizadas tamb´em 17 janelas de observa¸c˜ao di´arias, por´em com dura¸c˜ao de 20 minutos para cada indiv´ıduo, durante 15 dias consecutivos, totalizando 85 horas/individuo. A an´alise comportamental foi realizada no per´ıodo diurno, conforme o hor´ario habitual de manejo dos tratadores no PZV a partir da primeira alimenta¸c˜ao do dia do casal, compreendendo per´ıodo de 7:00 ´as 17:00 horas. Nos intervalos pr´e - estabelecidos, os comportamentos foram classificados e quantificados, seguindo uma planilha padronizada de categorias comportamentais de Anodorhynchus hyacinthinus em cativeiro. Para todas as categorias experimentais realizou - se um fluxograma e para a an´alise dos dados utilizou - se a m´edia da freq¨uˆencia de ocorrˆencia dos comportamentos.

RESULTADOS 

Na primeira etapa do etograma, na categoria de deslocamento os comportamentos favoritos foram ”Andar na tela”(23,7%, n=386), ”Parar no galho”(22,4%, n=266), seguida por ”Parar na tela”(17,2%, n=204). As categorias menos utilizadas foram ”Parar no solo”(0,2%, n=2), ”De ponta cabe¸ca”(0,4%, n=5) e ”Abaixar”(0,9%, n=11). Quando os animais deslocam - se, s˜ao movidos em fun¸c˜ao de um est´ımulo que, em grande parte das vezes, esteve representado pela alimenta¸c˜ao, ir ao encontro do parceiro ou aproxima¸c˜ao de pessoas do recinto. (Prestes, 2000). Os comportamentos de manuten¸c˜ao mais observados foram ”Vocalizar”(34,5%, n=1126), ”Sacudir penas”(9,9%, n=332) e ”Repousar cabe¸ca sobre o dorso”(5,9%, n=198). O comportamento intra - espec´ıfico mais comum foi o de ”Levantar cauda para parceiro”(29,1%, n=123), enquanto que o menos notado foi ”Ser bicado”(0,7%, n=3).  Na segunda etapa do etograma, realizada com enriquecimento ambiental, para a categoria de deslocamento os favoritos foram tamb´em ”Andar na tela”(24,2%, n=244), ”Parar no galho”(20,3%, n=205), seguido por ”Andar sobre o galho”(12,8%, n=129). Os comportamentos de manuten¸c˜ao mais observados foram ”Vocalizar”(33,6%, n=511), ”Repousar cabe¸ca sobre o dorso”(12,9%, n=196) e ”Sacudir as penas”(10,1%, n=154). A adi¸c˜ao do enriquecimento ambiental com ”sementes de castanha - do - par´a enroladas no jornal”promoveu um aumento do deslocamento dos animas em rela¸c˜ao aos demais enriquecimentos introduzidos no recinto, uma vez que o objeto despertou o interesse na procura da castanha atrav´es da busca ativa do animal para localizar o alimento. Os comportamentos de ”Andar na tela”, ”Vocaliza¸c˜ao”e ”Levantar cauda para parceiro”destacaram - se em ambas as etapas. Segundo Guedes et al., (1992), estes comportamentos est˜ao associados `a demarca¸c˜ao do territ´orio em cativeiro. As araras - azuis indicam o seu posicionamento na tela atrav´es da vocaliza¸c˜ao, caracterizando assim o comportamento de defesa do ninho diante de poss´ıveis intrusos. A presen¸ca de inimigos desencadeia respostas agressivas tanto na natureza (Guedes, 1995), quanto em cativeiro. Na natureza as araras - azuis n˜ao abandonam o ninho na presen¸ca do pesquisador e nem de grandes aproxima¸c˜oes humanas (Guedes, 1995). No entanto, no presente estudo, com a aproxima¸c˜ao de visitantes no recinto os animais se locomoveram do ninho para as telas do recinto. Segundo Hansen (2005), pode - se identificar uma dominˆancia de um individuo, sobre seu parceiro e, principalmente, sobre o ”dom´ınio”do recinto. Isso justifica o comportamento do macho, pois esse sempre foi o primeiro a ir buscar o alimento. Por´em, quando ocorria alguma intera¸c˜ao de agressividade dentro do recinto, a fˆemea apresentava um deslocamento at´e a tela (”Andar na tela”, Fˆemea-27,9%, n=387; Macho-30%, n=243) e provocava uma intera¸c˜ao rec´ıproca com o macho. Registrou - se tamb´em que a fˆemea deslocava - se at´e o poleiro mais alto do recinto (”Parar sobre o galho”, Fˆemea - 21,8%, n=302; Macho-20,8% = 169) que, teoricamente, ´e de ”dom´ınio”do individuo (Sick, 1997). A fˆemea utilizou com mais freq¨uˆencia a tela, que pode ser considerada no cativeiro como o limite da ´area de ocupa¸c˜ao, conseq¨uentemente exercendo deste modo a defesa territorial. Observou - se que a fˆemea apresenta um comportamento mais agressivo comparado ao do macho. Durante o manejo alimentar ou aproxima¸c˜ao de pessoas no recinto, a fˆemea exibia comportamentos estereotipados, como de constante deslocamento, bicadas na grade e vocaliza¸c˜ao constante. Na avalia¸c˜ao geral do estudo foram observadas 69 categorias comportamentais atrav´es do registro do etograma, totalizando 255 horas de observa¸c˜ao. Dessas condutas, foram descritas categorias padr˜oes de manuten¸c˜ao, deslocamento e relacionamento intra - espec´ıfico comportamentais. A categoria que apresentou maior porcentagem foi a de ”Manuten¸c˜ao”, totalizando 56,2% (n=3359), seguida por 36,8% (n=2198) com ”Deslocamento”. Os dados de Prestes (2000) corroboram com os observados na presente pesquisa, tendo em vista a observa¸c˜ao de comportamentos semelhantes com freq¨uˆencias pr´oximas para papagaio - char˜ao (Amazona pretrei) cativo. No comportamento de manuten¸c˜ao identificou - se 38 condutas, sendo as mais observadas ”Vocalizar”(34,5%, n=1126), ”Sacudir penas”(9,9%, n=332) e ”Repousar cabe¸ca sobre o dorso”(5,9%, n=198). Na categoria de deslocamento identificou - se 18 condutas, onde as preferidas foram ”Andar na tela”(28,7%, n=630), ”Parar no galho”(21,4%, n=471), seguida por ”Parar na tela”(13,1%, n=287). As menos utilizadas foram, ”Em cima da caixa - ninho”(0,2%, n=4), ”Ir para o solo”(0,3%, n=6) e ”Pular de um galho para outro”(0,3%, n=7). No comportamento intra - espec´ıfico identificou - se 13 condutas, sendo constatado que a mais comum foi ”Levantar cauda para parceiro”(29,1%, n=123), enquanto ”Ser bicado”(0,7%, n=3) foi a menos comum.

CONCLUSÃO

Animais cativos s˜ao geralmente mantidos com uma limita¸c˜ao de espa¸co e recursos a serem utilizados para sua rotina de vida, reduzindo os seus h´abitos, contribuindo para o desenvolvimento de alguns padr˜oes de comportamento estereotipados. Os comportamentos registrados do casal de arara - azul - grande (Anodorhynchus hyacinthinus) poder˜ao contribuir para o planejamento de recintos atrav´es do uso de enriquecimentos ambientais, promovendo o bem - estar animal e a conserva¸c˜ao da esp´ecie.

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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Identificação da microbiota da orofaringe e cloaca em filhotes de arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) de vida livre do Pantanal-MS

 

 Olá Araras Azuis! Hoje eu trago para vocês uma pesquisa acadêmica escrita  por Márcia Regina Loiko, Fernanda de Souza Abilheira, Neiva Robaldo Guedes, Daniel Thompsen Passos, Tania de Azevedo Weimer, Sérgio José de Oliveira, Mariangela da Costa Allgayer. Essses Estudos relacionados com sanidade estão sendo realizados para a conservação da arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) em vida livre. Amostras de cloaca e orofaringe de 14 filhotes foram analisadas através de métodos microbiológicos padronizados. Bactérias Gram negativas e leveduras estão presentes na microbiota dos filhotes sadios desta espécie, sendo os microrganismos Staphylococcus sp., Escherichia coli , Enterococcus sp., Klebsiella sp., Enterobacter sp., Pseudomonas sp. e leveduras presentes na cloaca e orofaringe, enquanto Proteus sp. ocorreu apenas em orofaringe e Salmonella sp. em cloaca.

Foram avaliados 14 filhotes de arara-azulgrande do Pantanal (Anodorhynchus hyacinthinus), nascidos durante a estação reprodutiva 2006 no Pantanal de Miranda - Mato Grosso do Sul. As coletas foram realizadas no momento em que os filhotes foram retirados do ninho, para os procedimentos de biometria e identificação, realizados rotineiramente pelo Projeto Arara Azul. Foram coletados 1 “swab” de cloaca e 1 “swab” de orofaringe de cada ninhego, estas amostras foram mantidas em meios de transporte StuartMR, sob refrigeração e enviados ao Laboratório de Microbiologia do Hospital Veterinário da ULBRA-RS. Os “swabs” foram semeados em placas de Ágar sangue e Ágar Mac Conkey, incubadas em aerobiose por 24hs a 37°C e em placas com meio Dermasel incubadas a 25°C em aerobiose por 4 dias segundo a técnica citada por Hirsch & Zee (2003) e Barrow & Felthan (1993). Placas do material inoculado em Ágar sangue foram incubadas em anaerobiose por 48hs à 37ºC, visando à identificação de bactérias anaeróbias (OLIVEIRA, 2000). As colônias bacterianas foram classificadas pelo crescimento nos meios sólidos, ocorrência de hemólise, coloração por Gram, testes bioquímicos de Indol, vermelho metila (VM), Voges Proskauer (VP), utilização de citrato, utilização de uréia, formação de H2 S, utilização de glicose, prova de catalase e prova de oxidase (OLIVEIRA, 2000). Algumas bactérias isoladas foram enviadas à Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) para certificação.

Os resultados obtidos através das culturas das 14 amostras coletadas da cloaca e orofaringe dos filhotes estão apresentados na Tabela 1. Podese verificar que, em geral, os microrganismos foram mais freqüentes em orofaringe que em cloaca, sendo os mais comuns, E. coli (86% na orofaringe e 43% na cloaca), Enterobacter sp. (64% em orofaringe, 21% em cloaca) e levedura (93% em cloaca e 86 % em orofaringe). A microbiota aeróbica cloacal nos filhotes saudáveis de psitacídeos mantidos em cativeiro está constituída quase que exclusivamente por bactérias Gram positivas dos gêneros Lactobacillus spp., Bacillus spp., Corynebacterium spp., Streptococcus não-hemolítico, Staphylococcus spp., Micrococcus spp. (CLUBB, 1997; FLAMMER & CLUBB, 1994; RUPLEY, 1999), Streptomyces spp. (OGLESBEE & BISHOP, 1998), Corynebacterium spp. e Gaffkya spp. (FLAMMER & DREWES, 1988; HOEFER, 1997). Nesta pesquisa foram isoladas um maior percentual de bactérias Gram negativas em filhotes de vida livre da arara-azul-grande do Pantanal clinicamente sadias. Este resultado está de acordo com Clubb (1997) e Oglesbee & Bishop (1998) que relataram que as bactérias E. coli, Klebsiella spp. e Enterobacter spp. podem estar presentes na microbiota de filhotes clinicamente sadios, e seu isolamento não requer necessariamente tratamento. No entanto vale ressaltar que as bactérias Escherichia coli, Klebsiella spp., Enterobacter spp., Pseudomonas spp., Proteus spp., Salmonella spp., Campylobacter spp.,. e leveduras em brotamento são consideradas patógenos primários ou potencialmente oportunistas (CLUBB, 1997; FLAMMER & CLUBB, 1994; OGLESBEE & BISHOP, 1998). As leveduras e fungos fazem parte da microbiota natural das aves, sendo consideradas comensais no trato gastrintestinal e na pele (GODOY, 2006).

Na avaliação da microbiota cloacal normal de 19 filhotes de vida livre de papagaios-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis) Serafini et al. (2005) isolaram Escherichia coli, Pseudomonas spp., Proteus vulgaris, Enterobacter spp., Enterobacter aglomerans, Enterobacter aerogenes Enterobacter cloacae, Providencia spp., Citrobacter diversus, Citrobacter amalonaticus, Staphylococcus spp., Streptomyces spp. e Candida spp. Os resultados estão de acordo com os obtidos no presente trabalho, evidenciando a presença de bactérias Gram negativas além das Gram positivas. As bactérias detectadas na orofaringe dos filhotes não diferiram das bactérias isoladas da cloaca com exceção da presença de Proteus sp. e ausência de Salmonella sp. Esta constatação se deve ao fato do ambiente do ninho estar contaminado com fezes e dessa forma promover a ocorrência de contaminação da orofaringe por estas enterobactérias. Pesquisas realizadas em vida livre têm demonstrado que a presença de bactérias Gram negativas parece ser normal na microbiota de aves saudáveis. Estes achados discordam dos autores Flammer & Drewes (1988) e Hoefer (1997) que consideraram a colonização do trato gastrintestinal com bactérias Gram negativas como um sinal de doença e recomendam a terapia com drogas antimicrobianas. No entanto, Clubb (1997) ressalta que a decisão da necessidade de instituir uma terapia deve ser realizada através de uma análise criteriosa entre avaliação clínica, outros testes diagnósticos, parâmetros ambientais e experiência clínica. 
Os filhotes avaliados neste estudo tiveram seus parâmetros de desenvolvimento dentro do normal e abandonaram o ninho na idade esperada (100-110 dias) não ocorrendo morbidade e mortalidade de nenhuma arara até esta data. Estes resultados evidenciam que a presença de bactérias Gram negativas é normal na microbiota de filhotes de vida livre de arara-azul-grande do Pantanal. O estudo da ecologia desta espécie associada às pesquisas direcionadas ao monitoramento sanitário é vital para sua conservação, pois possibilita um conhecimento do estado sanitário da população de vida livre da arara-azul-grande do Pantanal. Permitindo verificar quais microrganismos estão naturalmente presentes na sua microbiota e estabelecer seu potencial patogênico que possa vir a afetar a saúde de indivíduos e populações mediante alterações ambientais.
 

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

A Alimentação das Araras em Vida Livre!!


 Olá, Araras Azuis! Hoje eu vim falar sobre a alimentação das Araras em vida livre. Irei abordar as três espécies de araras azuis (arara azul grande, arara azul de lear e ararinha azul), também falarei sobreoutras araras, como a arara canindé, arara vermelha e o maracanã. Lembrando que este post tem como referências minhas aulas do curso de auxiliar veterinário e também foi revisado pelos meus professores Akira e Tais. No final, serão apresentadas as fontes de cada conteúdo, sendo que algumas informações foram extraídas do Instituto Arara Azul, slides das minhas aulas e Wiki Aves. Vamos para a postagem então. As araras Alimenta-se de frutos e sementes, os quais variam de uma região para outra. Alguns frutos que fazem parte da sua dieta são a manga, o tamarindo, o jacarandá e o ingá.Cada espécie de arara, devido ao habitat onde vive ou até mesmo por costumes e fisiologias, possui hábitos, gostos e maneiras diferentes de se alimentar, inclusive seletividade alimentar.

Alimentação da Ararinha Azul
As ararinhas-azuis geralmente viajam em pequenos grupos familiares ou pares, caçando comida ao longo dos rios sazonais e nidificando e empoleirando-se juntas nas copas das árvores. durante o dia são ativas, movimentando-se de acordo com os recursos alimentares e disponibilidade de nidificação.As ararinhas-azuis são herbívoros (granívoros, frugívoros)  ela Gosta de comer sementes de pinhão, frutos do juazeiro, além de outros típicos do seu habitat. na natureza, comendo sementes e também frutas. Em cativeiro, eles geralmente são alimentados com uma variedade de sementes, frutas e nozes, bem como importantes suplementos minerais e vitamínicos através do consumo de pequenas quantidades de carne de cacto e casca de árvore. Se vocês não sabem a carne de Cacto é a Flor Cacto.Os frutos e a flor do cacto são alimentos para aves e abelhas, e a polpa serve para o consumo humano em ensopados, massas e bolos. Por causa das secas da Caatinga Os animais que habitam a Caatinga também possuem estratégias para sobreviverem nas condições climáticas locais, sendo altamente adaptados ao clima quente e seco.
No caso das aves  ocorre um processo de migração durante o período de estiagem, uma vez que essas aves migram para regiões mais úmidas como estratégia para sobreviver ao período mais seco da Caatinga. Já as espécies de mamíferos e répteis, por exemplo, buscam regiões mais úmidas da Caatinga, no geral, áreas próximas das fontes de água, e também, zonas de maior altitude, em razão do microclima desses locais, mais ameno e úmido. 
 Alimentação da Arara Azul Grande
A arara-azul-grande apresenta um bico bastante resistente, o qual a auxilia na sua alimentação. Esses animais alimentam-se, principalmente, de frutos de palmeiras, tais como buriti, licuri e macaúba. Geralmente, as araras-azuis são observadas alimentando-se sobre o solo e em bandos, diferentemente da maioria das espécies de araras que se alimenta no topo de árvores. A alimentação em grupo é uma forma importante de proteção. Elas também gostam de comer  frutas, nozes, sementes e néctar. Suas guloseimas favoritas no zoológico incluem castanhas-do-pará, amendoins e cranberries secas.A fêmea é a responsável pela incubação do ovo, que pode durar cerca de 28 dias. Nesse período, o macho fica responsável por alimentá-la. Quando os filhotes nascem, eles são alimentados pelos pais por cerca de seis meses.



 Alimentação da Arara Azul de Lear

A maior parte da dieta da arara-de-lear consiste nas nozes da palmeira nativa Licurí – outro fator que contribui para a distribuição limitada da ave. As palmeiras Licurí são frequentemente cortadas ou queimadas para dar lugar a campos agrícolas, e o gado doméstico, especialmente cabras, derruba as árvores jovens antes que possam crescer novamente.Cada arara-de-lear pode comer até 350 nozes de Licurí por dia, usando seu bico grande e forte para quebrar as cascas duras. Outras frutas e sementes, flores de agave e culturas cultivadas, principalmente milho, complementam a dieta desta ave quando os frutos de palma são escassos. As araras-de-lear comem desordenadamente, constantemente jogando sementes no chão enquanto se alimentam em pequenos grupos. Desta forma, os papagaios ajudam a sustentar as árvores das quais dependem. Outras aves frugívoras, como o tucano-de-bico-de-quilha e o sino-barbudo , também "replantam" árvores dessa forma durante a alimentação.


Alimentação da Arara Vermelha e Arara CanindéAs araras comem uma variedade de frutas maduras e verdes, nozes e sementes, flores, folhas e caules de plantas e fontes de proteínas como insetos e caracóis. Alguns se especializam em comer frutas duras e nozes das palmeiras. Um truque que eles usam para isso é procurar alimentos em campos onde vive o gado. O gado come as nozes de dendê, que passam pelo sistema digestivo e saem pela outra extremidade sem a casca dura da noz. Isso torna as nozes mais macias e fáceis de comer pelas araras! As araras também visitam margens de rios e falésias de solo argiloso, que comem. Os cientistas acreditam que o solo pode neutralizar quaisquer produtos químicos tóxicos que os pássaros possam comer nas sementes ou nos frutos verdes.
Cerca de 20% do que as araras comem consiste em frutas e vegetais. Seus favoritos são bananas, maçãs, frutas vermelhas, pêssegos, passas e melancia quando se trata de frutas, enquanto vegetais como cenoura, tomate, pimentão e batata doce são os preferidos.As araras obtêm suas proteínas comendo insetos como gafanhotos, besouros, baratas e caracóis.as araras comem argila! Isso geralmente é visto em margens expostas de rios em reservas naturais, onde centenas de araras se reúnem diariamente para lamber argila.Embora os pesquisadores não tenham certeza do que causa esse comportamento de lamber a argila, eles acreditam que é uma forma de incluir sódio na dieta.

Alimentação do Maracanã

Nozes, amendoins, frutas e legumes (pêra, manga, laranja, maçã, ameixas, banana, pepino, milho meio-amadurecido, cenoura, etc), mistura de sementes pequenas e grandes, trigo, aveias, sementes brotadas. Comida de pombo encharcada. Precisa de uma fonte de vitamina regular e suplementos de minerais (especialmente D e B), proteína animal (camarão seco, ovo, carne de galinha e ossos).

 




REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: 
Nutrient requirements of poultry. 9. ed. Washington: National Academy Press, 1994. 176 p.

SCHNEIDER, L. Estudo etológico de arara azul (Anodorhynchus hyancinthinus) no Pantanal de Miranda MS. 2003. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) - Universidade Federal do Mato Grosso do sul, Campo Grande, 2003.

BORSARI, A.; OTTONI, E. B. Preliminary Observations of Tool Use in Captive Hyacinth Macaws (Anodorhynchus hyacinthinus). Animal Cognition, v. 8, p. 48-52, 2005. 

domingo, 28 de janeiro de 2024

A arara-azul-pequena viva ou extinta? A saga contínua

 

Olá Araras Azuis! Hoje eu vim postar um artigo escrito por Tony Pittman e publicado na revista Just Parrots no ano de 1997/8, Edição 19. Este artigo fala sobre a extinta arara azul pequena e questiona se ela está de fato extinta ou se ainda existe algum exemplar. Antes de começar este texto, quero dizer que todos nós sabemos que a arara azul pequena foi extinta na década de 50/60. Não há nenhuma prova de que ela ainda exista, e nenhum exemplar vivo foi encontrado na natureza ou em cativeiro, apenas ilustrações da época e exemplares dessas araras em taxidermia nos museus. Para quem não sabe, a taxidermia é a arte de montar/empalhar animais para estudos científicos ou exibições, utilizando diversas técnicas de preservação, buscando atingir o maior grau de fidelidade possível. Bem, vamos ao post e espero que gostem. Boa leitura! E prometo trazer mais conteúdo sobre a extinta arara azul pequena aqui no blog.O texto foi traduzido por mim. Meu inglês é básico, então, se houver algum erro de tradução, por favor, me avise nos comentários.

No início de julho deste ano (o artigo foi escrito em 1997), encontrei-me inesperadamente sentado em um veículo com tração nas quatro rodas, saltando ao longo de uma estrada de terra no sudoeste do Paraguai, a caminho da área onde o grande Rio Paraguai se junta ao agora muito reduzido fluxo do Rio Paraná. Acompanhado por Margarita Mieres e Cristina Morales, da agência paraguaia de proteção à vida selvagem, bem como por Jorge Escobar, um conhecido ornitólogo paraguaio e guia de campo especializado, encontrei-me mais uma vez em busca da Arara-azul-pequena ( Anodorhynchus glaucus ).

Cinco anos atrás, em julho de 1992, Joe Cuddy e eu empreendemos uma viagem quase épica em um pequeno veículo alugado e depois em ônibus local, viajando pela área de distribuição atribuída à arara-azul-pequena na Argentina, Paraguai e Brasil para estudar o habitat e sua condição. . Depois de examinar todas as evidências disponíveis, cheguei à conclusão de que a arara infelizmente havia sido extinta nos primeiros anos deste século. Escrevi então um relatório, que apareceu sem notas de rodapé na edição de novembro de 1992 da revista Parrot Society e mais tarde, no início de 1995, na revista alemã "Papageien". O relatório completo com notas foi distribuído a alguns ornitólogos importantes e instituições científicas interessadas no final de 1992.

Joe Cuddy e eu já éramos fascinados pela arara-gazul-pequena há algum tempo e estudamos cuidadosamente toda a literatura disponível, publicada e não publicada, nos idiomas originais para evitar erros de tradução e interpolações, bem como a maioria das peles nos museus ao redor do mundo. . Rapidamente descobrimos que a arara-azul-pequena, com sua plumagem geral esverdeada, garganta e pescoço traseiro marrom-acinzentados, era claramente diferente da arara-azul-de-lear ( Anodorhynchus leari ), embora semelhante em tamanho e forma. Assim como a arara-de-lear, ela tinha o distinto olho "sonolento" e uma ruga proeminente na pequena mancha facial nua, que Joe atribui à cabeça muito menor em comparação com a arara-azul-grande(Anodorhynchus hyacinthinus  ), seu parente maior.

A arara-glauca foi mencionada pela primeira vez na literatura pelo missionário jesuíta Sanchez Labrador, em uma obra sobre aves e peixes do Paraguai publicada em 1767. Chamada segundo ele de "guaa obi" em guarani, língua indígena local, ele afirmou que embora rara ao longo do rio Paraguai, esta arara-azul era comum nas matas ao longo da margem oriental do rio Uruguai, que corre entre a Argentina e o Uruguai ao longo da fronteira oriental da província argentina de Corrientes.

Azara descreveu detalhadamente a arara-glauca em 1802, mas menciona ter visto apenas vários pares. D'Orbigny, o grande naturalista francês, visitou a área entre 1827 e 1835. Ele escreveu um relato detalhado de suas viagens, que incluía várias referências a uma arara azul, bem como numerosas referências à "palmeira yatay" ( Butia yatay ), que acreditávamos ser a principal fonte de alimento da arara-azul-pequena. Embora D'Orbigny não tenha mencionado os hábitos alimentares da arara em seu relato, ele enviou uma nota a outro naturalista francês, na qual afirmava que ela se alimentava de grãos de vários frutos de palmeira. Em 1860, Martin de Moussy, outro cientista francês, relatou a presença de uma pequena arara "violeta" na província de Corrientes, que vivia nas palmeiras yatay alimentando-se de seus frutos.

Havíamos procurado a palmeira yatay, que estava quase extinta até o estabelecimento de um parque nacional para a espécie na Argentina em 1965. D'Orbigny havia descrito vastas extensões azuis de palmeiras há mais de 150 anos, mas profetizou que elas iriam todos logo desaparecem porque sua presença indicava terras férteis. Após o advento da navegação a vapor na época de sua partida, a área foi rapidamente colonizada e as palmeiras rapidamente removidas. A área com fronteiras comuns com o Paraguai e o Brasil também sofreu enormes perturbações por causa das operações militares ali nas frequentes insurreições e disputas do século XIX. Nos últimos anos, registaram-se novas perturbações consideráveis ​​com a construção de barragens e grandes obras hidroeléctricas, particularmente nos rios Uruguai e Paraná.

Joe e eu visitamos as áreas mencionadas na literatura, incluindo os locais de nidificação nas margens do rio Itá Ibate, no Paraná, e não descobrimos nenhum habitat adequado para uma arara grande. Conversamos com a população local e mostramos-lhes ilustrações. Ninguém tinha ouvido falar ou visto tal pássaro. No entanto, persistem avistamentos não confirmados e tendo sido informado de que dois ornitólogos japoneses alegaram ter ouvido uma arara recentemente na área úmida ao leste da província de Corrientes, decidi visitar novamente a Argentina e o Paraguai para investigar esses relatos, bem como renovar e promover contatos lá.

Uma delas foi Judy Hutton, que vive há 30 anos numa fazenda perto de Mburucuya, cerca de 150 km (95 milhas) a sudoeste da cidade de Corrientes. Eu lhe havia enviado um fax com antecedência e ela já havia confirmado que acreditava que o relatório dos dois japoneses não tinha fundamento. Depois de voar para Buenos Aires, viajei de ônibus noturno para Corrientes. Depois de ficar dois dias lá peguei outro ônibus para Assunção, capital do Paraguai.

Lá me tornei membro de uma expedição improvisada para investigar relatos da ocorrência da arara no sudoeste do Paraguai. Viajamos para o sul pela rodovia principal até Encarnación, uma importante cidade no sudeste do Paraguai, passando pela cidade de Paraguai até San Juan Bautista, onde deixamos a estrada asfaltada para viajar 144 km (90 milhas) para sudoeste ao longo de uma estrada de terra esburacada até Pilar. Durante a estação chuvosa esta estrada torna-se intransitável e a cidade de Pilar fica isolada do resto do país durante meses, sendo o único contacto com o mundo exterior por via marítima.

Em Pilar nos encontramos com Gustavo Granada, professor da pequena universidade de lá, que nos acompanhou até uma estação de pesquisa em uma fazenda de sua propriedade na região entre os rios Paraguai e Paraná. Ele conhecia bem a região e fez questão de nos mostrar florestas de palmeiras "yatay". No entanto, fiquei surpreso ao encontrar palmeiras baixas – de 3 a 4 metros (10-13 pés) de altura – em vez dos espécimes muito altos que tinha visto na Argentina. Eles também frutificaram por um período muito curto, o que também foi intrigante. No entanto, descobri mais tarde que eles pertenciam a uma espécie intimamente relacionada ao yatay com o nome científico de  Butia paraguayensis , que em outras partes do Paraguai é chamado de forma confusa de "jatai". Perguntei se ainda havia moradores realmente idosos morando na região e Gustavo depois de perguntar aos moradores locais nos levou para conhecer Ceferino Santa Cruz, um cotonicultor de 95 anos, no pequeno vilarejo de Lomas. Ele falava apenas guarani, então Gustavo e Jorge transmitiram minhas perguntas nesse idioma e traduziram suas respostas para o espanhol. Margarita me ajudou com quaisquer dificuldades que eu tivesse com a forma paraguaia do espanhol, um tanto staccato.

Ceferino relatou que nasceu na aldeia em 1902 e que seu pai se mudou para lá em 1875, após a devastadora guerra com Argentina, Brasil e Uruguai, na qual 90% da população masculina adulta paraguaia foi morta. Ele nunca tinha visto a arara azul, embora tivesse visto a vermelha (Ara chloroptera). No entanto, seu pai lhe contou sobre isso. Ele alegou que seu pai disse que se alimentava dos frutos verdes frescos da "palmeira dos cocos" ( Acrcomia totai ) da árvore. Não se alimentava de frutas que caíam no chão por serem muito duras. Esta foi uma observação interessante, já que Azara comentou em 1802 que acreditava que o bico e o céu da boca da arara eram fracos demais para lidar com nozes de palmeira realmente duras.

Depois de ouvir esta fascinante evidência anedótica, voltamos a Pilar, onde jantaríamos com Andrés Contreras, que havia recebido financiamento da União Europeia para criar um centro de estudos dedicado ao "Homem e natureza no Paraguai". nós e como seu pai, o professor Julio Contreras, que mora em Corrientes, na Argentina, é um dos principais ornitólogos daquele país, eu estava realmente ansioso para conhecê-lo.

Julio me contou antes do jantar que havia viajado extensivamente pela província de Corrientes durante 15 anos compilando um atlas das aves de Corrientes e, portanto, poderia concordar com minha conclusão de que a arara-glauca não existia mais ali. Além disso, ele foi capaz de me contar sobre os últimos três avistamentos que havia feito na natureza.

Estes foram os seguintes:

1. Seu tio viu um pela última vez perto da cidade de Corrientes em 1919, ano de seu casamento.

2. Um funcionário do tio, falecido recentemente aos 90 anos, afirmou ter visto araras-glaucas nas matas de Riachuelo, ao sul da cidade de Corrientes, até por volta de 1930.

3. Um vizinho lhe contou que um par de araras glaucas fez ninhos em uma enorme e antiga árvore Enterolobium contortisiliquum  ao norte da cidade de Corrientes até 1932, quando desapareceram.

O professor Contreras concluiu relatando que a população local caçava e atirava nas araras da mesma forma que os camponeses do Reino Unido atiravam nas gralhas. Fiquei surpreso que esta informação reconhecidamente anedótica baseada em observações de primeira mão indicasse que as araras conseguiram sobreviver até o início da década de 1930 e tão perto da principal cidade de Corrientes. É verdadeiramente surpreendente que tão pouco apareça na literatura ou no folclore sobre a espécie, embora a sua presença deva ser conhecida tanto pela população local como pelos visitantes da área.

Gostaria de terminar com a tradução de uma história muito interessante sobre uma arara azul domesticada em uma estação missionária, contada pelo padre jesuíta Sanchez Labrador em 1767.

"Eles domam muito bem e fazem coisas surpreendentes. Havia uma arara azul muito mansa em uma aldeia chamada La Concepcion de Nuestra Senora, habitada por índios Guarani. Sempre que um missionário chegava de outra missão, a arara ia para seu alojamento. Se encontrasse a porta fechada, ele subia entre o lintel e a porta com a ajuda da aba e dos pés até chegar ao trinco. Em seguida fazia um barulho como se estivesse batendo e muitas vezes abria a porta antes que pudesse ser aberta por dentro. subia na cadeira em que o missionário estava sentado, pronunciava "guaá" três ou quatro vezes, fazia movimentos sedutores com a cabeça até que lhe falassem como se agradecesse a visita e a atenção. Depois descia e entrava o pátio muito contente. Se fizesse algo desagradável com outras aves domesticadas, o missionário o chamava. Ele então se aproximava submissamente e ouvia atentamente sua acusação, cujo castigo deveria ser uma surra. Ao ouvir isso, ele deitou-se de costas e posicionou os pés como se estivesse fazendo o sinal da cruz e o missionário fingiu bater nele com um cinto. Ficou ali quieto até ouvir as palavras "uma vez en doce" (onze de doze), que significava o décimo segundo, depois virou-se, levantou-se e subiu o manto até a mão do missionário, que havia pronunciado o castigo, para ser acariciado e falado com gentileza antes de sair muito satisfeito. "

Este relato mostra como o comportamento da arara-glauca deve ter sido semelhante em cativeiro ao de seu parente maior, a arara-azul.

Concluindo, gostaria de agradecer a Claudio Bertonatti, ao Dr. Navas e sua assistente Joanna no Museu de História Natural de Buenos Aires, a Judy Hutton em Mburucuya, a Lucy Acquino-Shuster pelo empréstimo do 4x4 no Paraguai, a Margarita Mieres, Cristina Morales e Jorge Escobar pela excelente companhia na expedição, Gustavo Granada, Andrés Contreras e seus pais, Julio e Amalia Contreras em Pilar, Ceferino Santa Cruz em Lomas e também Dietlind Kubein Nentwig, meu colega em Madrid, que me aconselhou nos aspectos linguísticos da o texto do século XVIII de Sanchez Labrador.

REFERÊNCIAS:
Pittman.T (1992) A Arara-glauca – Ainda existe? Papagaio Soc. Mag. Vol. 26 (11) 366-71

Pittman. T (1997) Algumas novas informações sobre a arara-glauca. Papagaio Soc. Revista Vol.(11)