Olá, Araras Azuis! Hoje, trago um artigo escrito por Joaquim R. dos Santos Neto e Monalyssa Camandaroba, publicado na revista ORNITHOLOGIA (Revista do Centro Nacional de Pesquisa para Conservação das Aves Silvestres) em agosto de 2008. Este artigo aborda o Mapeamento dos sítios de alimentação da arara-azul-de-Lear, algo muito interessante para se ler. Espero que gostem desta postagem. Pretendo trazer mais artigos para o Blog!
PALAVRAS-CHAVE. Licuri, Syagrus coronata, forrageamento, espécies ameaçadas, caatinga, psitacídeos
RESUMO.
Anodorhynchus leari é uma ave considerada criticamente ameaçada de extinção. Seu principal alimento são cocos da
palmeira licuri (Syagrus coronata), sendo a baixa disponibilidade destes um fator limitante para as araras. O presente estudo
foi realizado no período de dezembro de 2006 a fevereiro de 2007 e teve por objetivos identificar sítios de alimentação e
caracterizá-los quanto à área, altitude, densidade, regeneração, presença de árvores altas, disponibilidade de itens alternativos
da alimentação e distânc ia aos dormitórios. Também foram levantadas as formas de uso da terra e ameaças. Foram registrado
37 sítios de alimentação, compreendendo uma área de 4.712 ha. Deste total 47,6% está localizado no município de Canudos,
34,2% em Euclides da Cunha, 15,8% em Jeremoabo, 1,7% em Paulo Afonso e 0,7% em Santa Brígida, com sítios entre 807
e 3,26 ha de área. A altitude média registrada foi de 474 m, variando de 315 a 603 m. As distâncias entre os dormitórios e
os sítios de alimentação variaram entre 0,5 e 60 km. Os sítios apresentaram densidade média de 94 licurizeiros/ha, sendo
38 adultos, 53 mudas e 3 senescentes. Em 28% dos sítios constatou-se regeneração natural, em 32% a regeneração era
insuficiente e em 40% não foi registrada regeneração. Em 37,8% dos sítios ocorreram árvores altas, suficientes para o
uso das araras sentinelas, em 51,4% haviam poucas árvores e em 10,8% não existiam árvores altas. Somente um sítio não
apresentou itens alimentares alternativos, sendo o umbu o item alternativo mais comum nos sítios de alimentação. Quanto
às formas de uso da terra, verificou-se que a pecuária está presente em 94% dos sítios de alimentação, a agricultura em
70%, sendo esta atividade geralmente combinada com a pecuária, e a mineração em 10,4%. As principais ameaças aos
sítios consistem na pecuária, incidência de fogo, retirada de lenha e a mineração.
INTRODUÇÃO
A arara-azul-de-Lear (Anodorhynchus leari)
(Bonaparte, 1856) é atualmente considerada espécie criticamente
em perigo (MMA 2003) e criticamente ameaçada de extinção
(IUCN 2004). Também está inserida no Anexo I da Convenção
Internacional sobre o Comércio de Espécies da Flora e Fauna
Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), por sofrer pressão
do tráfico internacional.
Em censos populacionais realizados no ano de 2006, o valor máximo registrado foi de 652 indivíduos (IBAMA 2006).
A maior parte da população da espécie encontra-se nos
municípios de Canudos e Jeremoabo, mas a área de ocorrência
também abrange os municípios de Euclides da Cunha, Uauá,
Campo Formoso, Santo Sé e Paulo Afonso (IBAMA 2006).
O principal item alimentar desta espécie são cocos
da palmeira licuri [Syagrus coronata (Martius) Beccari] e a
baixa disponibilidade deste recurso pode ser um fator limitante
para o crescimento da população atual de A. leari, a menos que
os grupos passem a ocupar outros dormitórios e outras áreas afastadas (BRANDT & MACHADO 1990). A ampliação da área de
distribuição, em função da redução de recursos alimentares pode
tornar as araras mais expostas à ação de traficantes e dificultar a
implantação de estratégias de manejo da espécie.
O licuri é nativo dos estados de Pernambuco e da
Bahia, tendo o rio Jequitinhonha como limite meridional de
sua distribuição. Esta palmeira produz frutos durante todo o
ano, havendo um pico de floração após a ocorrência de chuvas,
sendo este mais ou menos definido em cada uma das regiões
de sua área de ocorrência (SICK et al. 1987). Nas regiões onde
A. leari forrageia a maior disponibilidade dos cocos de licuris
ocorre entre os meses de fevereiro a abril (SICK et al. op. cit.).
O coco do licuri é bastante calórico, apresentando alto teor de
proteína e lipídio, principalmente na amêndoa (CREPALDI et al.
2001).
Estas aves geralmente alimentam-se em bandos
e, durante a alimentação é comum a presença de araras que
ficam como sentinelas, emitindo uma vocalização de alarme ao
primeiro sinal de perigo (YAMASHITA 1987). Desta forma, além
dos licurizeiros, é de fundamental importância a presença de
árvores altas para a perfeita utilização pelas araras sentinelas
durante o forrageamento do bando (MMA-IBAMA 1999,
BRANDT & MACHADO 1990).
Quando há baixa disponibilidade de cocos de licuri,
fontes alternativas têm sido relatadas como utilizadas pelas
araras-azuis-de-Lear. São apontadas como fontes alimentares
esporádicas o pinhão (Jatropha pohliana Müll. Arg., 1864), a
flor do sisal (Agave sp.) e o milho (Zea mays L., 1753) enquanto
verde (BRANDT & MACHADO 1990, SANTOS-NETO & GOMES 2007).
SICK et al. (1987) registraram também o consumo de baraúna (1987) registraram também o consumo de baraúna
(Schinopsis brasiliensis Engl.), umbu (Spondias tuberosa
Arruda, 1816) e mucunã (Dioclea sp.).
O presente trabalho teve o objetivo de identificar os
sítios de alimentação utilizados pela arara-azul-de-Lear em sua
região de ocorrência, bem como fazer sua caracterização quanto
à área cartográfica, altitude, distância aos dormitórios, densidade
de licurizeiros, levantamento das formas de uso da terra e
principais ameaças pelas quais passam essas áreas, ocorrência
de regeneração natural, ocorrência de árvores a serem utilizadas
pelas aves sentinelas e disponibilidade de fontes alternativas de
alimentação.
MATERIAIS E MÉTODOS
Área de estudo
O trabalho foi realizado no período de dezembro
de 2006 e fevereiro de 2007, nos municípios de Jeremoabo,
Canudos, Euclides da Cunha, Santa Brígida e Paulo Afonso no
estado da Bahia. Estes municípios estão localizados no Nordeste
da Bahia, e se incluem na região conhecida como “Raso da
Catarina”, situada na porção mais seca do território baiano. O
relevo na área é plano, em forma de tabuleiro, marcadamente
cortado por vales secos (IBAMA 2006). A região encontra-se no
domínio morfoclimático das caatingas (AB’SABER 1977).
O regime de chuvas na região caracteriza-se por
torrencialidade e irregularidade, com amplitudes anuais entre 400 e 600 mm, concentradas no período mais frio do ano. As
temperaturas variam entre 15 e 45ºC (YAMASHITA 1987).
A vegetação em toda a área estudada é de caatinga
sobre areia, com vegetação predominantemente arbustiva densa
entrelaçada com áreas de caatinga arbórea e afloramentos
rochosos (IBAMA 2006).
Mapeamento dos sítios de alimentação
Definiu-se como sítios de alimentação, as manchas
de ocorrência natural de licurizeiros, que são forrageadas, em
toda sua extensão ou em algum ponto, por araras-azuis-de-Lear,
durante algum período do ano. A identificação de uma mancha
de licuri como sítio de alimentação das araras-azuis-de-Lear se
deu com base em vestígios como presença de cocos quebrados,
presença de araras durante as observações e conversa com
moradores locais. Sempre buscando a maior quantidade
possível de indícios que confirmassem a mancha como sítio
de alimentação de arara-azul-de-Lear. Os sítios de alimentação
foram nomeados de acordo com a região/ localidade onde o
mesmo estava inserido.
Para definir o polígono formado por cada mancha
de licurizeiro, os perímetros foram percorridos e os trajetos
marcados com o uso de GPS (Garmin III plus, Garmin etrex Vista cx, Garmin e-trex Legend cx). Quando possível o
perímetro das manchas foi percorrido com o veículo tracionado.
Contudo, a maioria dos sítios não apresentavam estradas nas
suas margens, sendo então, percorridas a pé.
No caso de manchas com dimensões muito grandes,
cortadas por estradas internas, foram percorridas, e a intervalos
regulares feitas incursões em seus limites, registrando os
pontos com GPS. Estas incursões foram feitas através de
estradas vicinais ou a pé. Após a transferência dos dados para o
computador, os pontos marcados foram ligados para a obtenção
dos polígonos dos sítios de alimentação.
Em algumas localidades, os sítios de alimentação são
formados por diferentes manchas de licurizeiro. Nestes casos,
cada mancha foi amostrada de forma independente.
Alguns sítios de alimentação possuíam no seu
interior, áreas menores com características diferenciadas.
Estas áreas foram delimitadas dentro do polígono maior. Essas
características especiais referem-se a áreas com alta densidade
de mudas e presença de licurizeiros dentro de mata fechada.
Nesta última situação, os licurizeiros não são atualmente
utilizados pelas araras, mas estas áreas representam potenciais
sítios de forrageamento.
Após a transferência dos dados e definição dos
polígonos formados, as áreas cartográficas das manchas de
licuri foram calculadas com utilização do Software GPS Track
Maker Profissional 4.0.
Para a determinação das altitudes médias de cada área
de alimentação foram utilizados os dados obtidos com o uso de
GPS.
Através das informações obtidas no mapeamento,
levantou-se a área de cada município que é utilizada como sítio
de alimentação. Alguns destes se estendem por mais de um
município. Nestes casos, as áreas foram separadas para calcular a ocupação em cada município.
Para medir a distância entre os sítios de alimentação e os
dormitórios, primeiro foi necessário calcular as coordenadas
geográficas do ponto médio de cada sítio e dos dormitórios.
Após isso foi medida a distância entre os pontos médio dos sítios
encontrados em relação à Toca Velha (Canudos) e a Serra Branca
(Jeremoabo), os dois principais dormitórios conhecidos.
Tanto o cálculo da coordenada média, como a
distância foi calculada com auxílio do software GPS Track
Maker Profissional 4.0.
Estudo da densidade e caracterização dos sítios
de alimentação
A densidade foi feita por estimativa, através de
adaptações dos métodos propostos por RODAL et al. (1992).
Para isso, utilizou-se o método de parcela fixa (GALETTI 2002)
com uma parcela de 50 m X 50 m (2500 m² ou ¼ ha) delimitada
em cada sítio de alimentação. A delimitação foi feita com
a utilização de cordas e trenas. Dentro da área amostral foi
levantada a quantidade de licuris juvenis, licuris adultos e licuris
senescentes por hectare, além de ocorrência de mudas. Como
critérios de classificação utilizou-se as seguintes características:
mudas - plantas que ainda apresentam a folha primária fechada;
juvenis - plantas que apresentam a folha primária aberta, mas
que não possuem estipe exposto; adultos - plantas com estipe
exposto e já tendo iniciado a fase reprodutiva e; senescentes
- plantas que não produzem mais.
A estimativa de densidade de licurizeiros foi obtida
dividindo-se o número de licuris registrados em cada parcela
pela sua área, através da fórmula: d = n/a. Onde: d = densidade
de licurizeiros estimada na mancha (licurizeiros/ hectare); n =
quantidade de licurizeiros encontrada na área amostral; a = área
amostral (hectare).
Como a área amostral foi definida em ¼ hectare, a
fórmula simplificada fica: d = n . 4. Com base na densidade
estimada e área superficial da mancha de licurizeiro, foi estimado
o número total de licurizeiros presentes na área de alimentação.
Através da fórmula: EL i = di
. ai Onde: ELi
= estimativa de
licurizeiros no sítio de alimentação; di
= densidade estimada
areado sítio de alimentação (licurizeiros/ hectare); ai
= área
cartográfica do sítio de alimentação(ha).
A estimativa foi feita considerando-se as diferenças de
fase de desenvolvimento (mudas/ jovens, adultos e senescentes),
bem como a densidade total.
Para a estimativa total de licurizeiros distribuídos
pelos sítios de alimentação utilizou-se a fórmula:
ETL = ∑ (ELi
) Onde: ETL = Estimativa total de licurizeiro nos
sítios de alimentação; ELi
= estimativa de licurizeiros nos sítios
de alimentação individualmente.
A estimativa média de licurizeiros por sítio de
alimentação foi calculada através da fórmula: EML =
ETL/ni Onde: EML = Estimativa média de licurizeiros por
sítio de alimentação; ni = número de sítios de alimentação
considerados.
Os sítios foram também caracterizados quanto a:
Formas de uso da terra: Com base em observações durante o estudo e entrevistas com proprietários das áreas foi verificado
o uso do solo em cada propriedade visitada. De posse destas
informações, foi possível relacionar a disponibilidade de itens
alimentares com as atividades realizadas na propriedade.
Ocorrência de regeneração natural: Durante os estudos de
densidade e mapeamento de cada sítio, procurou-se registrar
a ocorrência de licuris em diferentes idades, desde mudas até
adultos, situação que caracteriza a ocorrência de regeneração
natural (PEREIRA et al. 2001). Conforme o grau de regeneração as
sítios foram definidas como: Sim: apresenta regeneração natural
de forma satisfatória; Pouca: apresenta alguma regeneração
natural, contudo de forma incipiente; Não: área onde há ausência
total de regeneração natural. Ocorrência de árvores adequadas
para uso por sentinelas: Durante o estudo foram registradas
a existência de árvores altas nos sítios de alimentação. Estas
árvores se destacam das demais e normalmente são utilizadas
pelas araras que ficam como sentinela durante a alimentação do
bando. Conforme o número e distribuição das árvores pelo sítio
de alimentação, estas foram categorizadas como: Sim: apresenta
árvores altas em quantidade satisfatória; Pouca: apresenta
algumas árvores altas, contudo de forma insuficiente; Não: área
onde não há árvores altas a serem utilizadas pelas sentinelas.
Houve áreas que apresentaram características
diferenciadas no que se refere a local de pouso das sentinelas.
Esses locais foram amostrados e caracterizados: Presença
de itens alimentares alternativos: A ocorrência de plantas
potencialmente utilizáveis foi levantada através de entrevistas
com moradores de cada área e por observações diretas durante
o estudo. O levantamento dos locais onde há plantações de
milho (Zea mays), com forrageamento por araras-azuis-deLear, foi realizado entre os meses de julho e novembro de 2006.
Levantamento das principais ameaças aos sítios de alimentação:
Realizada através de observações diretas em campo durante o
mapeamento das áreas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Mapeamento dos sítios de alimentação
Foram mapeados 37 sítios de alimentação (Fig. 1 a
3), perfazendo um total de 4.712 ha, sendo o tamanho médio
dos sítios de 127,34 ha. Estes números são significativamente
maiores que os observados por BRANDT & MACHADO (1990),
em que identificaram oito locais utilizados pelas araras para
alimentação, que perfizeram um total de aproximadamente
1.400 ha). Esta diferença pode estar relacionada ao esforço
empreendido em cada estudo, ou ainda, a uma expansão da área
de forrageamento da espécie. Por outro lado, MMA-IBAMA
(1999) menciona a existência de cerca de trinta manchas de
licuri freqüentadas por bandos de araras-azuis-de-Lear para
alimentação.
Os maiores sítios registrados estão na região
denominada Enjeitado e na Fazenda Tangará, ambas no
município de Canudos, com 807 e 778 ha, respectivamente.
Com relação à localidade do Enjeitado, é necessário ressaltar que
um sítio de 284 ha (35,15%) encontra-se em meio a vegetação
densa, situação que diminui a presença de araras, pois estas forrageiam apenas licurizeiros que se encontra em áreas abertas
ou que se sobressaem a vegetação. Nos estudos de BRANDT &
MACHADO (1990) o maior sítio levantado apresentou 440 ha.
Os menores sítios registrados foram na Vila Canaã,
município de Euclides da Cunha e Evangelista/ Escovado, em
Jeremoabo, com 3,26 e 4,11 ha, respectivamente.
Durante os estudos foram verificados quinze sítios
de alimentação no município de Jeremoabo, oito em Canudos
e dez em Euclides da Cunha. Ainda foram verificadas três
manchas de licurizeiros localizadas na divisa dos municípios de
Canudos e Euclides da Cunha e uma na divisa dos municípios
de Paulo Afonso e Santa Brígida (Tab. I e Figs. 1 a 3). Dos
4712 ha mapeados, o município de Canudos apresentou 47,6 %
(2243,39 ha). Este município é seguido por Euclides da Cunha
com 34,2 % (1610,68 ha) e Jeremoabo com 15,8 % (741,68 ha).
Paulo Afonso apresentou 1,7 % (83,29 ha) e Santa Brígida com
0,7% (32,88 ha) (Fig. 4).
Altitude: Foram registrados sítios de alimentação desde uma
altitude de 310 m (fazenda Santana) até 603 m (Barreiras).
As altitudes verificadas nas fazendas Santana e Passagem
Funda, ambas no município de Jeremoabo, com 310 e 320 m
respectivamente, estão fora do intervalo de altitude proposto
por YAMASHITA (1987) para a área de ocorrência de A. leari.
Segundo o autor, a região se situa entre 380 e 800 m de altitude.
A média das altitudes apresentadas pelos sítios mapeadas foi
de 474 m.
Conforme citado por YAMASHITA (1987), a região é
formada por chapadas cortada por vales. Estes constituem
as áreas com maior potencial agrícola devido o escoamento
natural das águas da chuva, sendo essa áreas utilizadas para a
agricultura (ARAÚJO FILHO, 1992). Neste processo a caatinga é
raleada, expondo os licurizeiros e favorecendo o forrageamento
pelas araras-azuis-de-Lear.
Distância dos sítios de alimentação para os dormitórios
conhecidos: Os sítios de alimentação foram registrados em
um raio de 60 km dos dormitórios conhecidos, ficando a uma
distância média de 49,5 km do dormitório da Toca Velha e a 45,9
km do dormitório da Serra Branca. A maior distância observada
por BRANDT & MACHADO (1990) foi de 32 km ao dormitório da
Toca Velha. Novamente, as diferenças observadas podem estar
relacionadas ao esforço empreendido, ou ainda, a uma expansão
da área de forrageamento da espécie.
O sítio denominado Serra Branca/ Paredões foi o que
apresentou menor distância em relação ao dormitório/local de
nidificação. Apenas 0,5 km em média separam este sítio de
alimentação dos paredões da Serra Branca. Por outro lado, o
sítio de alimentação denominado Terra Amarela, localizada no
município de Euclides da Cunha está a 60 km da Toca Velha,
dormitório mais próximo ao sítio de alimentação mencionado.
O sítio denominado Barreiras está localizado a 42 km
da Toca Velha e a 37 km da Serra Branca, apresentando distância
semelhante entre os dois dormitórios. Este dado sugere que a
região das Barreiras é uma importante área para as aves, visto
que se encontra num ponto médio para o deslocamento entre os
dois dormitórios.
A Serra Branca possui sítios de alimentação mais
próximas (Figs. 1 e 2, Tab. I), favorecendo o forrageamento das
araras, em especial no período reprodutivo, época em que as aves afastam-se dos paredões o menor tempo possível.
Segundo CARCIOF (2002), durante a época reprodutiva
o gasto energético das aves chega a ser o dobro daquele
apresentado durante a época de manutenção, devido a custos de
atividades como côrte, incubação, alimentação e proteção dos
filhotes. Grande parte do gasto energético é devido à atividade
de vôo.
Segundo BONADIE & BACON (2000) os sítios de
alimentação próximos aos dormitórios tornam-se eficientes para
suprir as necessidades energéticas para a geração e cuidados
com os filhotes e vigilância dos ninhos, situação que se aplica à
Serra Branca. Entretanto na Toca Velha, o sítio de alimentação
mais próximo encontra-se a 21 km de distância (povoado do
Raso), exigindo maior esforço das aves.
Por outro lado, a maioria dos sítios está nos
municípios de Canudos e Euclides da Cunha que, com exceção
das Barreiras, estão mais próximos à Toca Velha (Fig. 1, Tab.
I). Este pode ser um fator de influência na utilização deste
dormitório pelas araras na época do ano em que elas podem
passar longos períodos afastadas dos paredões e acompanhadas
dos filhotes.
MENEZES et al. (2006), ao realizarem censos (2006), ao realizarem censos
simultâneos mensais na Serra Branca e Toca Velha, verificaram
o padrão de utilização dos dormitórios mencionados, sendo
observada uma maior freqüência de indivíduos na Serra Branca
no período reprodutivo (outubro a abril) e na Toca Velha
entre os meses de maio e setembro. Os autores propõem que
a diminuição na quantidade de licuri próximo à Serra Branca
ou variáveis climáticas sejam os fatores determinantes do
deslocamento sazonal. BONADIE & BACON (2000) trabalhando
com Ara manilata e Amazona amazonica e PRESTES & MARTINEZ
(2002) estudando Amazona pretrei relacionam o deslocamento
destas aves com a disponibilidade de recursos alimentares.
Segundo os dados obtidos no presente trabalho
a hipótese da relação entre o deslocamento sazonal e a
disponibilidade de recursos alimentares tem se mostrado
expressiva como fator determinante para A. leari. Porém, fazemse necessários outros estudos sobre disponibilidade de cocos de
licuri, bem como variáveis climáticas nos sítios de alimentação
e dormitórios para a obtenção de dados mais conclusivos sobre
o deslocamento sazonal desta espécie.
Informações detalhadas do mapeamento das áreas
podem ser observadas na tabela I.
Estudos de densidade e caracterização dos sítios
de alimentação
Os sítios apresentaram uma densidade média de 94
licurizeiros/ ha dos quais 38 licurizeiros adultos, 53 mudas e 3
senescentes por ha.
A fazenda Barreiras foi a que apresentou a maior
densidade de licurizeiros adultos (produtivos) com 124
licurizeiros/ ha. Por outro lado, a Fazenda Rumo D’água
apresentou uma densidade de apenas 4 licurizeiros adultos/ ha.
Com relação à densidade de mudas, merece destaque
a área Serra Branca/ Paredões, cuja densidade foi de 676
mudas/ha. Porém em 40,5% (n=15) dos sítios estudados não
foi verificada a ocorrência de mudas. No interior do sítio
denominado Juazeiro 1 foi verificada uma porção de 5,1 ha com
alta densidade de mudas (1200 mudas/ha). Contudo, o restante
da área não apresentou o mesmo padrão.
Outro fator preocupante foi a alta taxa de senescência
apresentada em áreas como as Fazendas Santana, Rumo D’água,
Santa Clara, Tangará e Califórnia. Cerca de 50% dos licurizeiros
nestas áreas apresentam sinal de perda da produtividade.
Estima-se que os sítios apresentem em média 7439
licurizeiros e que exista um total de 275.255 licurizeiros nestes
sítios, sendo 140.411 licurizeiros adultos, 113.278 mudas de
licurizeiros e 21.566 licurizeiros senescentes.
A maior estimativa foi a do sítio localizado na BR 110,
km 55, com 55.266 licurizeiros. Contudo, a maioria trata-se de
mudas. Apesar de dispor de grande quantidade de muda não
foram observadas grandes quantidades de licurizeiros juvenis.
Isso se deve ao fato de serem pisoteadas ou consumidas pelo
gado, em especial, durante a época seca, conforme colocado por
MMA-IBAMA (1999). O segundo sítio com maior estimativa
foi a Mutambinha 2, com 37.702 licurizeiros. Contudo, 24,35%
da área encontra-se em vegetação densa, situação que diminui
a utilização pelas araras, que forrageiam apenas naqueles
licurizeiros que se sobressaem à vegetação circundante.
Formas de uso da terra: A formação de pasto para criação de
gado bovino, ovino e caprino foi a principal atividade registrada
nos sítios de alimentação. Esta atividade foi verificada em 94 %
das áreas (n = 35).
Seguindo a atividade pecuária, está a agricultura,
presente em 70% dos sítios estudados (n = 26), normalmente
agricultura familiar de subsistência, com destaque para
as plantações de milho, feijão e mandioca. É comum uma
combinação de áreas de pasto e plantação nos sítios de alimentação. Dados semelhantes foram obtidos por BRANDT &
MACHADO (1990).
A mineração foi a terceira atividade mais comum,
registrada em 10,8 % dos sítios (n = 4), concentrada no
município de Euclides da Cunha.
Uma pequena parcela dos sítios mapeados encontrase dentro de áreas protegidas. Apenas duas áreas mapeadas
(5,4%) encontram-se em regiões cujo objetivo principal é a
preservação, sendo elas a fazenda Serra Branca, localizada na
APA Serra Branca/ Raso da Catarina e a área denominada Serra
Branca/ Paredões, localizada na Estação Ecológica do Raso da
Catarina. Apesar da região ser classificada como de importância
extrema, devido, principalmente, à ocorrência da alimentação e
reprodução da arara-azul-de-Lear conforme SILVA et al. (2004),
torna-se necessário o estabelecimento de mais áreas protegidas
que abranjam sítios de alimentação da espécie.
O sítio denominado Baixa da Duninha, apesar de
situar-se no interior da Estação Ecológica do Raso da Catarina,
vem sendo utilizado para criação de gado e plantações realizada
por posseiros, evidenciando a necessidade de uma ação
fiscalizatória dos órgãos ambientais competentes, visando a
recuperação desta área.
Estudo da regeneração natural: Em 40% dos sítios mapeados
(n=15), não foi verificada ocorrência de regeneração natural.
Em outros 12 sítios (32%) a regeneração ocorre de forma
incipiente (insatisfatória). Em apenas 10 sítios (28%) foi
observada presença constante de licurizeiros em diferentes fases
do desenvolvimento (Fig. 5). Estes dados estão de acordo com
o observado por BRANDT & MACHADO (1990), que verificaram
renovação natural de licuri em apenas duas das oito áreas
estudadas.
Ocorrência de árvores adequadas para uso por sentinelas em locais de alimentação: Em 14 sítios (37,8%) foi observada
quantidade satisfatória de árvores altas. Estas árvores
apresentaram distribuição uniforme pelo terreno, abrangendo
toda a área com licurizeiros, situação propícia ao uso por araras
sentinelas.
Contudo, em 62,2% dos sítios, a disponibilidade de
pontos de pouso para as sentinelas se mostrou insuficiente. Em
4 sítios (10,8%) não foram observadas árvores altas e em 19
(51,4%), estas ocorrem em pouca quantidade (Figs. 6 e 7). Nas
áreas onde não ocorrem árvores altas, os licurizeiros devem
ser altos e sem presença de vegetação densa, sendo fácil a
visualização dos seus frutos para o consumo.
Com relação a pontos para sentinelas, merecem
destaque as áreas que são circundadas por paredões como
Barreiras, Serra Branca/ Paredões e Baixa da Duninha. Nestas
áreas, os próprios paredões são utilizados pelas aves que ficam
como sentinelas. Na área dos Serra Branca/ Paredões, apesar
de a vegetação apresentar alta densidade, ocorre o consumo de
licuris. Na Baixa da Duninha os licuris são baixos e possuem
pouca vegetação ao redor, mas devido aos paredões as araras
ficam protegidas por aquelas que ficam vigiando.
Relacionando os parâmetros de ocorrência da
regeneração natural e presença de árvores altas, apenas quatro
sítios (10,8%) apresentaram boa situação, tanto de regeneração
natural, quanto de ocorrência de árvores altas, sendo eles:
povoado do Raso, Fazenda Serra Branca, S. Branca / Paredões
e Evangelista/ Escovado que totalizaram uma área de apenas
78,4 ha.
Registro da presença de itens alimentares alternativos: Apenas no
sítio denominado Terra Amarela não foi registrada a ocorrência
de nenhuma fonte alternativa para alimentação da arara-azulde-Lear. Nos demais sítios registrou-se pelo menos uma fonte
alternativa, sendo o umbu (S. tuberosa) presente em 97% dos
sítios (n=36) (Fig. 7). Os frutos do umbu estão disponíveis na
mesma época do pico de frutificação de cocos de licuri (LORENZI
2000 e CREPALDI et al 2001.). Este fato pode sugerir que esta
fonte funciona como uma alimentação complementar.
O pinhão (J. pohliana) foi registrado em 22 sítios
(59%); a braúna (S. brasiliensis) em 13% (n=5); quatro sítios
(10,8%) apresentam plantações de sisal; o mucunã (Dioclea sp.)
foi registrado em 3 dos sítios mapeados (8,1%).
Em 18% dos sítios foram registradas plantações de
milho (Z. mays), que vêm sendo atacadas por arara-azul-de-Lear (Fig. 8). Como a disponibilidade de milho coincide com a
época de baixa produtividade dos cocos de licuri, este item tem
representado a principal fonte alternativa de alimento, conforme
verificado por SANTOS NETO & GOMES (2007).
A predação aos milharais durante este estudo ocorreu
entre os meses de junho e outubro do ano de 2006. SANTOS
NETO & GOMES (2007) observaram o consumo de milho entre
os meses de junho e agosto em 2004 e entre junho e setembro
em 2005. As variações podem estar relacionadas a diferenças
climáticas e disponibilidade dos itens alimentares entre os anos
estudados.
Informações referentes a características dos sítios de
alimentação podem ser observadas na tabela II.
Principais ameaças aos sítios de alimentação: As principais
atividades observadas durante os estudos que podem
comprometer a manutenção dos sítios de alimentação são:
Criação de gado: A atividade pecuária foi registrada em 94%
dos sítios de alimentação. Esta atividade representa uma ameaça,
pois o gado pisoteia e come a maioria das mudas (NOVELY 1982).
As áreas da fazenda Santa Clara apresentam a criação de gado
ovino e caprino como atividade principal, enquanto a fazenda
Tangará, o gado bovino é criado intensivamente. Nas duas
localidades registrou-se a ausência total de regeneração natural.
BRANDT & MACHADO (1990) também verificaram que as áreas
onde há criação de gado a regeneração natural dos licurizeiros
está comprometida, ou não existe.
Em muitas localidades foi observado que há alta
ocorrência de mudas, contudo sem a presença de licurizeiros
jovens, situação que indica que apesar da boa taxa de
germinação, as plântulas não chegam a se desenvolver pelo fato
de serem consumidas pelo gado, principalmente na época de
seca. Tal observação está de acordo com o proposto por MMAIBAMA (1999) e IBAMA (2006). A longo prazo o pisoteio e
utilização das plântulas pelo gado como item alimentar podem
ocasionar a eliminação de importantes sítios de alimentação da
espécie (MMA-IBAMA 1999).
Incidência de fogo: A prática de colocar fogo para limpeza
de pasto é muito comum na região (SILVA 1985), tendo sido
observada em grande parte das áreas estudadas (Fig. 9). Além
da queima dos pés de licuri, ocorre também a perda das árvores
utilizadas pelas araras sentinelas. Segundo MMA-IBAMA
(1999) os maiores índices de mortalidade das palmeiras de
licuri são observados em áreas que sofreram queimadas.
Durante o período do estudo foi observada uma grande
área queimada no interior da Estação Ecológica do Raso da Catarina.
Retirada de lenha: A utilização de lenha como matriz energética
é prática comum no Nordeste, em especial na região sertaneja,
sendo utilizada tanto em residências, como em pequenas
indústrias de alimentos, cerâmicas e de mineração (SILVA 1985).
Nestes casos a cobertura vegetal da caatinga fica reduzida
originalmente possibilitando melhor acesso das araras aos
licurizeiros onde era mata fechada. Porém a retirada desta
vegetação para lenha reduz a disponibilidade de árvores mais
altas, utilizadas pelas sentinelas. Além disso, esta atividade é,
normalmente, seguida de queimada que pode comprometer os
licurizeiros, principalmente juvenis e mudas.
Mineração: No município de Euclides da Cunha foram
observadas diversas atividades de extração mineral, em
especial, para a confecção de cal, localizada no interior de sítios
de alimentação e muitos licurizeiros são suplantados para a
realização da atividade.
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Gostaria de expressar minha profunda gratidão por compartilhar as pesquisas incríveis sobre araras azuis. Ao deparar-me com seus estudos, fiquei fascinada com a riqueza de informações e a dedicação evidente à preservação dessas aves magníficas.
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