terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Mapeamento dos sítios de alimentação da arara-azul-de-Lear (Anodorhynchus leari)

 Olá, Araras Azuis! Hoje, trago um artigo escrito por Joaquim R. dos Santos Neto e Monalyssa Camandaroba, publicado na revista ORNITHOLOGIA (Revista do Centro Nacional de Pesquisa para Conservação das Aves Silvestres) em agosto de 2008. Este artigo aborda o Mapeamento dos sítios de alimentação da arara-azul-de-Lear, algo muito interessante para se ler. Espero que gostem desta postagem. Pretendo trazer mais artigos para o Blog!

PALAVRAS-CHAVE. Licuri, Syagrus coronata, forrageamento, espécies ameaçadas, caatinga, psitacídeos
RESUMO.
Anodorhynchus leari é uma ave considerada criticamente ameaçada de extinção. Seu principal alimento são cocos da palmeira licuri (Syagrus coronata), sendo a baixa disponibilidade destes um fator limitante para as araras. O presente estudo foi realizado no período de dezembro de 2006 a fevereiro de 2007 e teve por objetivos identificar sítios de alimentação e caracterizá-los quanto à área, altitude, densidade, regeneração, presença de árvores altas, disponibilidade de itens alternativos da alimentação e distânc ia aos dormitórios. Também foram levantadas as formas de uso da terra e ameaças. Foram registrado 37 sítios de alimentação, compreendendo uma área de 4.712 ha. Deste total 47,6% está localizado no município de Canudos, 34,2% em Euclides da Cunha, 15,8% em Jeremoabo, 1,7% em Paulo Afonso e 0,7% em Santa Brígida, com sítios entre 807 e 3,26 ha de área. A altitude média registrada foi de 474 m, variando de 315 a 603 m. As distâncias entre os dormitórios e os sítios de alimentação variaram entre 0,5 e 60 km. Os sítios apresentaram densidade média de 94 licurizeiros/ha, sendo 38 adultos, 53 mudas e 3 senescentes. Em 28% dos sítios constatou-se regeneração natural, em 32% a regeneração era insuficiente e em 40% não foi registrada regeneração. Em 37,8% dos sítios ocorreram árvores altas, suficientes para o uso das araras sentinelas, em 51,4% haviam poucas árvores e em 10,8% não existiam árvores altas. Somente um sítio não apresentou itens alimentares alternativos, sendo o umbu o item alternativo mais comum nos sítios de alimentação. Quanto às formas de uso da terra, verificou-se que a pecuária está presente em 94% dos sítios de alimentação, a agricultura em 70%, sendo esta atividade geralmente combinada com a pecuária, e a mineração em 10,4%. As principais ameaças aos sítios consistem na pecuária, incidência de fogo, retirada de lenha e a mineração.

 INTRODUÇÃO

A arara-azul-de-Lear (Anodorhynchus leari) (Bonaparte, 1856) é atualmente considerada espécie criticamente em perigo (MMA 2003) e criticamente ameaçada de extinção (IUCN 2004). Também está inserida no Anexo I da Convenção Internacional sobre o Comércio de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), por sofrer pressão do tráfico internacional. Em censos populacionais realizados no ano de 2006, o valor máximo registrado foi de 652 indivíduos (IBAMA 2006). A maior parte da população da espécie encontra-se nos municípios de Canudos e Jeremoabo, mas a área de ocorrência também abrange os municípios de Euclides da Cunha, Uauá, Campo Formoso, Santo Sé e Paulo Afonso (IBAMA 2006). O principal item alimentar desta espécie são cocos da palmeira licuri [Syagrus coronata (Martius) Beccari] e a baixa disponibilidade deste recurso pode ser um fator limitante para o crescimento da população atual de A. leari, a menos que os grupos passem a ocupar outros dormitórios e outras áreas afastadas (BRANDT & MACHADO 1990). A ampliação da área de distribuição, em função da redução de recursos alimentares pode tornar as araras mais expostas à ação de traficantes e dificultar a implantação de estratégias de manejo da espécie. O licuri é nativo dos estados de Pernambuco e da Bahia, tendo o rio Jequitinhonha como limite meridional de sua distribuição. Esta palmeira produz frutos durante todo o ano, havendo um pico de floração após a ocorrência de chuvas, sendo este mais ou menos definido em cada uma das regiões de sua área de ocorrência (SICK et al. 1987). Nas regiões onde A. leari forrageia a maior disponibilidade dos cocos de licuris ocorre entre os meses de fevereiro a abril (SICK et al. op. cit.). O coco do licuri é bastante calórico, apresentando alto teor de proteína e lipídio, principalmente na amêndoa (CREPALDI et al. 2001). Estas aves geralmente alimentam-se em bandos e, durante a alimentação é comum a presença de araras que ficam como sentinelas, emitindo uma vocalização de alarme ao primeiro sinal de perigo (YAMASHITA 1987). Desta forma, além dos licurizeiros, é de fundamental importância a presença de árvores altas para a perfeita utilização pelas araras sentinelas durante o forrageamento do bando (MMA-IBAMA 1999, BRANDT & MACHADO 1990). Quando há baixa disponibilidade de cocos de licuri, fontes alternativas têm sido relatadas como utilizadas pelas araras-azuis-de-Lear. São apontadas como fontes alimentares esporádicas o pinhão (Jatropha pohliana Müll. Arg., 1864), a flor do sisal (Agave sp.) e o milho (Zea mays L., 1753) enquanto verde (BRANDT & MACHADO 1990, SANTOS-NETO & GOMES 2007). SICK et al. (1987) registraram também o consumo de baraúna (1987) registraram também o consumo de baraúna (Schinopsis brasiliensis Engl.), umbu (Spondias tuberosa Arruda, 1816) e mucunã (Dioclea sp.). O presente trabalho teve o objetivo de identificar os sítios de alimentação utilizados pela arara-azul-de-Lear em sua região de ocorrência, bem como fazer sua caracterização quanto à área cartográfica, altitude, distância aos dormitórios, densidade de licurizeiros, levantamento das formas de uso da terra e principais ameaças pelas quais passam essas áreas, ocorrência de regeneração natural, ocorrência de árvores a serem utilizadas pelas aves sentinelas e disponibilidade de fontes alternativas de alimentação.


MATERIAIS E MÉTODOS

Área de estudo 

O trabalho foi realizado no período de dezembro de 2006 e fevereiro de 2007, nos municípios de Jeremoabo, Canudos, Euclides da Cunha, Santa Brígida e Paulo Afonso no estado da Bahia. Estes municípios estão localizados no Nordeste da Bahia, e se incluem na região conhecida como “Raso da Catarina”, situada na porção mais seca do território baiano. O relevo na área é plano, em forma de tabuleiro, marcadamente cortado por vales secos (IBAMA 2006). A região encontra-se no domínio morfoclimático das caatingas (AB’SABER 1977). O regime de chuvas na região caracteriza-se por torrencialidade e irregularidade, com amplitudes anuais entre 400 e 600 mm, concentradas no período mais frio do ano. As temperaturas variam entre 15 e 45ºC (YAMASHITA 1987). A vegetação em toda a área estudada é de caatinga sobre areia, com vegetação predominantemente arbustiva densa entrelaçada com áreas de caatinga arbórea e afloramentos rochosos (IBAMA 2006).

Mapeamento dos sítios de alimentação

Definiu-se como sítios de alimentação, as manchas de ocorrência natural de licurizeiros, que são forrageadas, em toda sua extensão ou em algum ponto, por araras-azuis-de-Lear, durante algum período do ano. A identificação de uma mancha de licuri como sítio de alimentação das araras-azuis-de-Lear se deu com base em vestígios como presença de cocos quebrados, presença de araras durante as observações e conversa com moradores locais. Sempre buscando a maior quantidade possível de indícios que confirmassem a mancha como sítio de alimentação de arara-azul-de-Lear. Os sítios de alimentação foram nomeados de acordo com a região/ localidade onde o mesmo estava inserido. Para definir o polígono formado por cada mancha de licurizeiro, os perímetros foram percorridos e os trajetos marcados com o uso de GPS (Garmin III plus, Garmin etrex Vista cx, Garmin e-trex Legend cx). Quando possível o perímetro das manchas foi percorrido com o veículo tracionado. Contudo, a maioria dos sítios não apresentavam estradas nas suas margens, sendo então, percorridas a pé. No caso de manchas com dimensões muito grandes, cortadas por estradas internas, foram percorridas, e a intervalos regulares feitas incursões em seus limites, registrando os pontos com GPS. Estas incursões foram feitas através de estradas vicinais ou a pé. Após a transferência dos dados para o computador, os pontos marcados foram ligados para a obtenção dos polígonos dos sítios de alimentação. Em algumas localidades, os sítios de alimentação são formados por diferentes manchas de licurizeiro. Nestes casos, cada mancha foi amostrada de forma independente. Alguns sítios de alimentação possuíam no seu interior, áreas menores com características diferenciadas. Estas áreas foram delimitadas dentro do polígono maior. Essas características especiais referem-se a áreas com alta densidade de mudas e presença de licurizeiros dentro de mata fechada. Nesta última situação, os licurizeiros não são atualmente utilizados pelas araras, mas estas áreas representam potenciais sítios de forrageamento. Após a transferência dos dados e definição dos polígonos formados, as áreas cartográficas das manchas de licuri foram calculadas com utilização do Software GPS Track Maker Profissional 4.0. Para a determinação das altitudes médias de cada área de alimentação foram utilizados os dados obtidos com o uso de GPS. Através das informações obtidas no mapeamento, levantou-se a área de cada município que é utilizada como sítio de alimentação. Alguns destes se estendem por mais de um município. Nestes casos, as áreas foram separadas para calcular  a ocupação em cada município. Para medir a distância entre os sítios de alimentação e os dormitórios, primeiro foi necessário calcular as coordenadas geográficas do ponto médio de cada sítio e dos dormitórios. Após isso foi medida a distância entre os pontos médio dos sítios encontrados em relação à Toca Velha (Canudos) e a Serra Branca (Jeremoabo), os dois principais dormitórios conhecidos. Tanto o cálculo da coordenada média, como a distância foi calculada com auxílio do software GPS Track Maker Profissional 4.0.

Estudo da densidade e caracterização dos sítios de alimentação

A densidade foi feita por estimativa, através de adaptações dos métodos propostos por RODAL et al. (1992). Para isso, utilizou-se o método de parcela fixa (GALETTI 2002) com uma parcela de 50 m X 50 m (2500 m² ou ¼ ha) delimitada em cada sítio de alimentação. A delimitação foi feita com a utilização de cordas e trenas. Dentro da área amostral foi levantada a quantidade de licuris juvenis, licuris adultos e licuris senescentes por hectare, além de ocorrência de mudas. Como critérios de classificação utilizou-se as seguintes características: mudas - plantas que ainda apresentam a folha primária fechada; juvenis - plantas que apresentam a folha primária aberta, mas que não possuem estipe exposto; adultos - plantas com estipe exposto e já tendo iniciado a fase reprodutiva e; senescentes - plantas que não produzem mais. A estimativa de densidade de licurizeiros foi obtida dividindo-se o número de licuris registrados em cada parcela pela sua área, através da fórmula: d = n/a. Onde: d = densidade de licurizeiros estimada na mancha (licurizeiros/ hectare); n = quantidade de licurizeiros encontrada na área amostral; a = área amostral (hectare). Como a área amostral foi definida em ¼ hectare, a fórmula simplificada fica: d = n . 4. Com base na densidade estimada e área superficial da mancha de licurizeiro, foi estimado o número total de licurizeiros presentes na área de alimentação. Através da fórmula: EL i = di . ai Onde: ELi = estimativa de licurizeiros no sítio de alimentação; di = densidade estimada areado sítio de alimentação (licurizeiros/ hectare); ai = área cartográfica do sítio de alimentação(ha). A estimativa foi feita considerando-se as diferenças de fase de desenvolvimento (mudas/ jovens, adultos e senescentes), bem como a densidade total. Para a estimativa total de licurizeiros distribuídos pelos sítios de alimentação utilizou-se a fórmula: ETL = ∑ (ELi ) Onde: ETL = Estimativa total de licurizeiro nos sítios de alimentação; ELi = estimativa de licurizeiros nos sítios de alimentação individualmente. A estimativa média de licurizeiros por sítio de alimentação foi calculada através da fórmula: EML = ETL/ni Onde: EML = Estimativa média de licurizeiros por sítio de alimentação; ni = número de sítios de alimentação considerados. Os sítios foram também caracterizados quanto a: Formas de uso da terra: Com base em observações durante o estudo e entrevistas com proprietários das áreas foi verificado o uso do solo em cada propriedade visitada. De posse destas informações, foi possível relacionar a disponibilidade de itens alimentares com as atividades realizadas na propriedade. Ocorrência de regeneração natural: Durante os estudos de densidade e mapeamento de cada sítio, procurou-se registrar a ocorrência de licuris em diferentes idades, desde mudas até adultos, situação que caracteriza a ocorrência de regeneração natural (PEREIRA et al. 2001). Conforme o grau de regeneração as sítios foram definidas como: Sim: apresenta regeneração natural de forma satisfatória; Pouca: apresenta alguma regeneração natural, contudo de forma incipiente; Não: área onde há ausência total de regeneração natural. Ocorrência de árvores adequadas para uso por sentinelas: Durante o estudo foram registradas a existência de árvores altas nos sítios de alimentação. Estas árvores se destacam das demais e normalmente são utilizadas pelas araras que ficam como sentinela durante a alimentação do bando. Conforme o número e distribuição das árvores pelo sítio de alimentação, estas foram categorizadas como: Sim: apresenta árvores altas em quantidade satisfatória; Pouca: apresenta algumas árvores altas, contudo de forma insuficiente; Não: área onde não há árvores altas a serem utilizadas pelas sentinelas. Houve áreas que apresentaram características diferenciadas no que se refere a local de pouso das sentinelas. Esses locais foram amostrados e caracterizados: Presença de itens alimentares alternativos: A ocorrência de plantas potencialmente utilizáveis foi levantada através de entrevistas com moradores de cada área e por observações diretas durante o estudo. O levantamento dos locais onde há plantações de milho (Zea mays), com forrageamento por araras-azuis-deLear, foi realizado entre os meses de julho e novembro de 2006. Levantamento das principais ameaças aos sítios de alimentação: Realizada através de observações diretas em campo durante o mapeamento das áreas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Mapeamento dos sítios de alimentação
Foram mapeados 37 sítios de alimentação (Fig. 1 a 3), perfazendo um total de 4.712 ha, sendo o tamanho médio dos sítios de 127,34 ha. Estes números são significativamente maiores que os observados por BRANDT & MACHADO (1990), em que identificaram oito locais utilizados pelas araras para alimentação, que perfizeram um total de aproximadamente 1.400 ha). Esta diferença pode estar relacionada ao esforço empreendido em cada estudo, ou ainda, a uma expansão da área de forrageamento da espécie. Por outro lado, MMA-IBAMA (1999) menciona a existência de cerca de trinta manchas de licuri freqüentadas por bandos de araras-azuis-de-Lear para alimentação. Os maiores sítios registrados estão na região denominada Enjeitado e na Fazenda Tangará, ambas no município de Canudos, com 807 e 778 ha, respectivamente. Com relação à localidade do Enjeitado, é necessário ressaltar que um sítio de 284 ha (35,15%) encontra-se em meio a vegetação densa, situação que diminui a presença de araras, pois estas forrageiam apenas licurizeiros que se encontra em áreas abertas ou que se sobressaem a vegetação. Nos estudos de BRANDT & MACHADO (1990) o maior sítio levantado apresentou 440 ha. Os menores sítios registrados foram na Vila Canaã, município de Euclides da Cunha e Evangelista/ Escovado, em Jeremoabo, com 3,26 e 4,11 ha, respectivamente. Durante os estudos foram verificados quinze sítios de alimentação no município de Jeremoabo, oito em Canudos e dez em Euclides da Cunha. Ainda foram verificadas três manchas de licurizeiros localizadas na divisa dos municípios de Canudos e Euclides da Cunha e uma na divisa dos municípios de Paulo Afonso e Santa Brígida (Tab. I e Figs. 1 a 3). Dos 4712 ha mapeados, o município de Canudos apresentou 47,6 % (2243,39 ha). Este município é seguido por Euclides da Cunha com 34,2 % (1610,68 ha) e Jeremoabo com 15,8 % (741,68 ha). Paulo Afonso apresentou 1,7 % (83,29 ha) e Santa Brígida com 0,7% (32,88 ha) (Fig. 4). Altitude: Foram registrados sítios de alimentação desde uma altitude de 310 m (fazenda Santana) até 603 m (Barreiras). As altitudes verificadas nas fazendas Santana e Passagem Funda, ambas no município de Jeremoabo, com 310 e 320 m respectivamente, estão fora do intervalo de altitude proposto por YAMASHITA (1987) para a área de ocorrência de A. leari. Segundo o autor, a região se situa entre 380 e 800 m de altitude. A média das altitudes apresentadas pelos sítios mapeadas foi de 474 m. Conforme citado por YAMASHITA (1987), a região é formada por chapadas cortada por vales. Estes constituem as áreas com maior potencial agrícola devido o escoamento natural das águas da chuva, sendo essa áreas utilizadas para a agricultura (ARAÚJO FILHO, 1992). Neste processo a caatinga é raleada, expondo os licurizeiros e favorecendo o forrageamento pelas araras-azuis-de-Lear. Distância dos sítios de alimentação para os dormitórios conhecidos: Os sítios de alimentação foram registrados em um raio de 60 km dos dormitórios conhecidos, ficando a uma distância média de 49,5 km do dormitório da Toca Velha e a 45,9 km do dormitório da Serra Branca. A maior distância observada por BRANDT & MACHADO (1990) foi de 32 km ao dormitório da Toca Velha. Novamente, as diferenças observadas podem estar relacionadas ao esforço empreendido, ou ainda, a uma expansão da área de forrageamento da espécie. O sítio denominado Serra Branca/ Paredões foi o que apresentou menor distância em relação ao dormitório/local de nidificação. Apenas 0,5 km em média separam este sítio de alimentação dos paredões da Serra Branca. Por outro lado, o sítio de alimentação denominado Terra Amarela, localizada no município de Euclides da Cunha está a 60 km da Toca Velha, dormitório mais próximo ao sítio de alimentação mencionado. O sítio denominado Barreiras está localizado a 42 km da Toca Velha e a 37 km da Serra Branca, apresentando distância semelhante entre os dois dormitórios. Este dado sugere que a região das Barreiras é uma importante área para as aves, visto que se encontra num ponto médio para o deslocamento entre os dois dormitórios. A Serra Branca possui sítios de alimentação mais próximas (Figs. 1 e 2, Tab. I), favorecendo o forrageamento das araras, em especial no período reprodutivo, época em que as aves afastam-se dos paredões o menor tempo possível. Segundo CARCIOF (2002), durante a época reprodutiva o gasto energético das aves chega a ser o dobro daquele apresentado durante a época de manutenção, devido a custos de atividades como côrte, incubação, alimentação e proteção dos filhotes. Grande parte do gasto energético é devido à atividade de vôo. Segundo BONADIE & BACON (2000) os sítios de alimentação próximos aos dormitórios tornam-se eficientes para suprir as necessidades energéticas para a geração e cuidados com os filhotes e vigilância dos ninhos, situação que se aplica à Serra Branca. Entretanto na Toca Velha, o sítio de alimentação mais próximo encontra-se a 21 km de distância (povoado do Raso), exigindo maior esforço das aves. Por outro lado, a maioria dos sítios está nos municípios de Canudos e Euclides da Cunha que, com exceção das Barreiras, estão mais próximos à Toca Velha (Fig. 1, Tab. I). Este pode ser um fator de influência na utilização deste dormitório pelas araras na época do ano em que elas podem passar longos períodos afastadas dos paredões e acompanhadas dos filhotes. MENEZES et al. (2006), ao realizarem censos (2006), ao realizarem censos simultâneos mensais na Serra Branca e Toca Velha, verificaram o padrão de utilização dos dormitórios mencionados, sendo observada uma maior freqüência de indivíduos na Serra Branca no período reprodutivo (outubro a abril) e na Toca Velha entre os meses de maio e setembro. Os autores propõem que a diminuição na quantidade de licuri próximo à Serra Branca ou variáveis climáticas sejam os fatores determinantes do deslocamento sazonal. BONADIE & BACON (2000) trabalhando com Ara manilata e Amazona amazonica e PRESTES & MARTINEZ (2002) estudando Amazona pretrei relacionam o deslocamento destas aves com a disponibilidade de recursos alimentares. Segundo os dados obtidos no presente trabalho a hipótese da relação entre o deslocamento sazonal e a disponibilidade de recursos alimentares tem se mostrado expressiva como fator determinante para A. leari. Porém, fazemse necessários outros estudos sobre disponibilidade de cocos de licuri, bem como variáveis climáticas nos sítios de alimentação e dormitórios para a obtenção de dados mais conclusivos sobre o deslocamento sazonal desta espécie. Informações detalhadas do mapeamento das áreas podem ser observadas na tabela I.
Estudos de densidade e caracterização dos sítios de alimentação
Os sítios apresentaram uma densidade média de 94 licurizeiros/ ha dos quais 38 licurizeiros adultos, 53 mudas e 3 senescentes por ha. A fazenda Barreiras foi a que apresentou a maior densidade de licurizeiros adultos (produtivos) com 124 licurizeiros/ ha. Por outro lado, a Fazenda Rumo D’água apresentou uma densidade de apenas 4 licurizeiros adultos/ ha. Com relação à densidade de mudas, merece destaque a área Serra Branca/ Paredões, cuja densidade foi de 676 mudas/ha. Porém em 40,5% (n=15) dos sítios estudados não 





foi verificada a ocorrência de mudas. No interior do sítio denominado Juazeiro 1 foi verificada uma porção de 5,1 ha com alta densidade de mudas (1200 mudas/ha). Contudo, o restante da área não apresentou o mesmo padrão. Outro fator preocupante foi a alta taxa de senescência apresentada em áreas como as Fazendas Santana, Rumo D’água, Santa Clara, Tangará e Califórnia. Cerca de 50% dos licurizeiros nestas áreas apresentam sinal de perda da produtividade. Estima-se que os sítios apresentem em média 7439 licurizeiros e que exista um total de 275.255 licurizeiros nestes sítios, sendo 140.411 licurizeiros adultos, 113.278 mudas de licurizeiros e 21.566 licurizeiros senescentes. A maior estimativa foi a do sítio localizado na BR 110, km 55, com 55.266 licurizeiros. Contudo, a maioria trata-se de mudas. Apesar de dispor de grande quantidade de muda não foram observadas grandes quantidades de licurizeiros juvenis. Isso se deve ao fato de serem pisoteadas ou consumidas pelo gado, em especial, durante a época seca, conforme colocado por MMA-IBAMA (1999). O segundo sítio com maior estimativa foi a Mutambinha 2, com 37.702 licurizeiros. Contudo, 24,35% da área encontra-se em vegetação densa, situação que diminui a utilização pelas araras, que forrageiam apenas naqueles licurizeiros que se sobressaem à vegetação circundante. Formas de uso da terra: A formação de pasto para criação de gado bovino, ovino e caprino foi a principal atividade registrada nos sítios de alimentação. Esta atividade foi verificada em 94 % das áreas (n = 35). Seguindo a atividade pecuária, está a agricultura, presente em 70% dos sítios estudados (n = 26), normalmente agricultura familiar de subsistência, com destaque para as plantações de milho, feijão e mandioca. É comum uma combinação de áreas de pasto e plantação nos sítios de alimentação. Dados semelhantes foram obtidos por BRANDT & MACHADO (1990). A mineração foi a terceira atividade mais comum, registrada em 10,8 % dos sítios (n = 4), concentrada no município de Euclides da Cunha. Uma pequena parcela dos sítios mapeados encontrase dentro de áreas protegidas. Apenas duas áreas mapeadas (5,4%) encontram-se em regiões cujo objetivo principal é a preservação, sendo elas a fazenda Serra Branca, localizada na APA Serra Branca/ Raso da Catarina e a área denominada Serra Branca/ Paredões, localizada na Estação Ecológica do Raso da Catarina. Apesar da região ser classificada como de importância extrema, devido, principalmente, à ocorrência da alimentação e reprodução da arara-azul-de-Lear conforme SILVA et al. (2004), torna-se necessário o estabelecimento de mais áreas protegidas que abranjam sítios de alimentação da espécie. O sítio denominado Baixa da Duninha, apesar de situar-se no interior da Estação Ecológica do Raso da Catarina, vem sendo utilizado para criação de gado e plantações realizada por posseiros, evidenciando a necessidade de uma ação fiscalizatória dos órgãos ambientais competentes, visando a recuperação desta área. Estudo da regeneração natural: Em 40% dos sítios mapeados (n=15), não foi verificada ocorrência de regeneração natural. Em outros 12 sítios (32%) a regeneração ocorre de forma incipiente (insatisfatória). Em apenas 10 sítios (28%) foi observada presença constante de licurizeiros em diferentes fases do desenvolvimento (Fig. 5). Estes dados estão de acordo com o observado por BRANDT & MACHADO (1990), que verificaram renovação natural de licuri em apenas duas das oito áreas estudadas. Ocorrência de árvores adequadas para uso por sentinelas em locais de alimentação: Em 14 sítios (37,8%) foi observada quantidade satisfatória de árvores altas. Estas árvores apresentaram distribuição uniforme pelo terreno, abrangendo toda a área com licurizeiros, situação propícia ao uso por araras sentinelas. Contudo, em 62,2% dos sítios, a disponibilidade de pontos de pouso para as sentinelas se mostrou insuficiente. Em 4 sítios (10,8%) não foram observadas árvores altas e em 19 (51,4%), estas ocorrem em pouca quantidade (Figs. 6 e 7). Nas áreas onde não ocorrem árvores altas, os licurizeiros devem ser altos e sem presença de vegetação densa, sendo fácil a visualização dos seus frutos para o consumo. Com relação a pontos para sentinelas, merecem destaque as áreas que são circundadas por paredões como Barreiras, Serra Branca/ Paredões e Baixa da Duninha. Nestas áreas, os próprios paredões são utilizados pelas aves que ficam como sentinelas. Na área dos Serra Branca/ Paredões, apesar de a vegetação apresentar alta densidade, ocorre o consumo de licuris. Na Baixa da Duninha os licuris são baixos e possuem pouca vegetação ao redor, mas devido aos paredões as araras ficam protegidas por aquelas que ficam vigiando. Relacionando os parâmetros de ocorrência da regeneração natural e presença de árvores altas, apenas quatro sítios (10,8%) apresentaram boa situação, tanto de regeneração natural, quanto de ocorrência de árvores altas, sendo eles: povoado do Raso, Fazenda Serra Branca, S. Branca / Paredões e Evangelista/ Escovado que totalizaram uma área de apenas 78,4 ha. Registro da presença de itens alimentares alternativos: Apenas no sítio denominado Terra Amarela não foi registrada a ocorrência de nenhuma fonte alternativa para alimentação da arara-azulde-Lear. Nos demais sítios registrou-se pelo menos uma fonte alternativa, sendo o umbu (S. tuberosa) presente em 97% dos sítios (n=36) (Fig. 7). Os frutos do umbu estão disponíveis na mesma época do pico de frutificação de cocos de licuri (LORENZI 2000 e CREPALDI et al 2001.). Este fato pode sugerir que esta fonte funciona como uma alimentação complementar. O pinhão (J. pohliana) foi registrado em 22 sítios (59%); a braúna (S. brasiliensis) em 13% (n=5); quatro sítios (10,8%) apresentam plantações de sisal; o mucunã (Dioclea sp.) foi registrado em 3 dos sítios mapeados (8,1%). Em 18% dos sítios foram registradas plantações de milho (Z. mays), que vêm sendo atacadas por arara-azul-de-Lear (Fig. 8). Como a disponibilidade de milho coincide com a época de baixa produtividade dos cocos de licuri, este item tem representado a principal fonte alternativa de alimento, conforme verificado por SANTOS NETO & GOMES (2007). A predação aos milharais durante este estudo ocorreu entre os meses de junho e outubro do ano de 2006. SANTOS NETO & GOMES (2007) observaram o consumo de milho entre os meses de junho e agosto em 2004 e entre junho e setembro em 2005. As variações podem estar relacionadas a diferenças climáticas e disponibilidade dos itens alimentares entre os anos estudados. Informações referentes a características dos sítios de alimentação podem ser observadas na tabela II. Principais ameaças aos sítios de alimentação: As principais atividades observadas durante os estudos que podem comprometer a manutenção dos sítios de alimentação são: Criação de gado: A atividade pecuária foi registrada em 94% dos sítios de alimentação. Esta atividade representa uma ameaça, pois o gado pisoteia e come a maioria das mudas (NOVELY 1982). As áreas da fazenda Santa Clara apresentam a criação de gado ovino e caprino como atividade principal, enquanto a fazenda Tangará, o gado bovino é criado intensivamente. Nas duas localidades registrou-se a ausência total de regeneração natural. BRANDT & MACHADO (1990) também verificaram que as áreas onde há criação de gado a regeneração natural dos licurizeiros está comprometida, ou não existe. Em muitas localidades foi observado que há alta ocorrência de mudas, contudo sem a presença de licurizeiros jovens, situação que indica que apesar da boa taxa de germinação, as plântulas não chegam a se desenvolver pelo fato de serem consumidas pelo gado, principalmente na época de seca. Tal observação está de acordo com o proposto por MMAIBAMA (1999) e IBAMA (2006). A longo prazo o pisoteio e utilização das plântulas pelo gado como item alimentar podem ocasionar a eliminação de importantes sítios de alimentação da espécie (MMA-IBAMA 1999). Incidência de fogo: A prática de colocar fogo para limpeza de pasto é muito comum na região (SILVA 1985), tendo sido observada em grande parte das áreas estudadas (Fig. 9). Além da queima dos pés de licuri, ocorre também a perda das árvores utilizadas pelas araras sentinelas. Segundo MMA-IBAMA (1999) os maiores índices de mortalidade das palmeiras de licuri são observados em áreas que sofreram queimadas.


Durante o período do estudo foi observada uma grande área queimada no interior da Estação Ecológica do Raso da Catarina. Retirada de lenha: A utilização de lenha como matriz energética é prática comum no Nordeste, em especial na região sertaneja, sendo utilizada tanto em residências, como em pequenas indústrias de alimentos, cerâmicas e de mineração (SILVA 1985). Nestes casos a cobertura vegetal da caatinga fica reduzida originalmente possibilitando melhor acesso das araras aos licurizeiros onde era mata fechada. Porém a retirada desta vegetação para lenha reduz a disponibilidade de árvores mais altas, utilizadas pelas sentinelas. Além disso, esta atividade é, normalmente, seguida de queimada que pode comprometer os licurizeiros, principalmente juvenis e mudas. Mineração: No município de Euclides da Cunha foram observadas diversas atividades de extração mineral, em especial, para a confecção de cal, localizada no interior de sítios de alimentação e muitos licurizeiros são suplantados para a realização da atividade.
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Um comentário:

  1. Gostaria de expressar minha profunda gratidão por compartilhar as pesquisas incríveis sobre araras azuis. Ao deparar-me com seus estudos, fiquei fascinada com a riqueza de informações e a dedicação evidente à preservação dessas aves magníficas.

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